Carlos Nougué
Em várias obras, diz Garrigou-Lagrange O.P. que o “princípio da identidade” é o primeiro dos primeiros princípios; e ele certamente não foi o primeiro a dizê-lo. Por outro lado, em sua A Essência do Tomismo, Manser O.P. põe o “princípio da razão suficiente” entre os primeiros princípios. Mas nada disso é de Aristóteles nem de Tomás de Aquino: ambas as coisas são de Leibniz. Não que por serem de Leibniz sejam erradas; mas o fato é que também nisso errou Leibniz. O “princípio da identidade” (“todo ser é o que é”) responde ao matematicismo cartesiano-leibniziano, e corresponde à famosa e vácua fórmula 1 = 1. Aí está um modo de ser profundo sem dizer absolutamente nada. Quanto porém ao “princípio da razão suficiente” (“nada existe sem razão suficiente”), responde ao idealismo de Leibniz: Deus conhecia todos os mundos possíveis, mas, como por sua sabedoria não podia agir sem razão suficiente, de todos os mundos possíveis só fez o melhor. É o chamado “otimismo” leibniziano. Mas Tomás de Aquino demonstra na Suma Teológica que Deus poderia ter criado outro e melhor mundo, ainda que nenhum mundo que Deus criasse pudesse ser inconveniente. – O neotomismo também tomou de Leibniz, de certo modo, outra doutrina metafísica: a chamada “teodiceia”, mediante a qual Leibniz pretendia conciliar Deus e o mal no mundo. Mas o que encontra não é nada tomista, e Tomás de Aquino respondeu-lhe previamente a ele de modo cabal em sua vasta obra. Sucede todavia que quase todos os neotomistas dividem a Metafísica em Ontologia e em Teodiceia, com o que se infringe a unidade simpliciter da Metafísica: esta, como a Teologia Sagrada, não tem partes subjetivas. Mas, infelizmente, desde o século XVII os doutores e teólogos católicos também passaram a dar à Teologia Sagrada partes subjetivas: Teologia Dogmática, Teologia Moral, etc. – São os descaminhos do neotomismo: e assim é porque, como dizia Santo Tomás de Aquino, um pequeno erro no princípio se torna um erro grande ao final.
Observação. Se critico o neotomismo, não deixo porém de ter grande apreço por boa parte dos neotomistas: com efeito, foram bravos combatentes sob o estandarte do tomismo contra inimigos pertinazes e majoritários. Mais que isso: ainda está por publicar-se em português a maior parte de sua obra, o que é urgente. Mas a principal tarefa dos tomistas hoje, quando nosso isolamento é total e por isso mesmo é possível seguir a Santo Tomás em espírito e letra, é voltar à doutrina do mestre sem concessão alguma ao ambiente. Para o fazermos, todavia, há que superar os desvios que sete séculos fizeram padecer à doutrina de Tomás de Aquino. Por isso, e tão somente por isso, não deixarei de insistir nos erros dos neotomistas.
Observação. Se critico o neotomismo, não deixo porém de ter grande apreço por boa parte dos neotomistas: com efeito, foram bravos combatentes sob o estandarte do tomismo contra inimigos pertinazes e majoritários. Mais que isso: ainda está por publicar-se em português a maior parte de sua obra, o que é urgente. Mas a principal tarefa dos tomistas hoje, quando nosso isolamento é total e por isso mesmo é possível seguir a Santo Tomás em espírito e letra, é voltar à doutrina do mestre sem concessão alguma ao ambiente. Para o fazermos, todavia, há que superar os desvios que sete séculos fizeram padecer à doutrina de Tomás de Aquino. Por isso, e tão somente por isso, não deixarei de insistir nos erros dos neotomistas.