“QUAS PRIMAS”, de Pio XI

A QUAS PRIMAS, encíclica de Pio XI sobre Cristo Rei, foi interpretada liberalmente como apenas um documento estabelecedor de uma festa religiosa. Não o é: é antes de tudo a Carta Magna da Cristandade. É a última palavra do magistério sobre a ordenação essencial (não acidental) de tudo, incluídos os estados, à Igreja e pois a Cristo, sua cabeça invisível: o mesmo, aliás, que dizem Bonifácio VIII na bula Unam Sanctam e S. Tomás de Aquino em De Regno. Em outras palavras, ou os estados são cristãos e membros da Igreja, ou as sociedades se tornam pasto de demônios (Carlos Nougué).

*  *  *

QUAS PRIMAS
Sobre Cristo Rei*

CARTA ENCÍCLICA
Aos Veneráveis Irmãos Patriarcas, Primazes, Arcebispos, Bispos e Outros Ordinários em paz e comunhão com a Apostólica: sobre Cristo Rei.
PIO PAPA XI
Veneráveis Irmãos, saúde e bênção apostólica.
INTRODUÇÃO
1. Na primeira Encíclica, dirigida, em princípios do nosso Pontificado, aos Bispos do mundo inteiro, indagamos a causa íntima das calamidades que, ante os nossos olhos, avassalam o gênero humano. Ora, lembra-nos haver abertamente declarado duas coisas: uma — que esta aluvião de males sobre o universo provém de terem a maior parte dos homens removido, assim da vida particular como da vida pública, Jesus Cristo e sua lei sacrossanta; a outra — que baldado era esperar paz duradoura entre os povos, enquanto os indivíduos e as nações recusassem reconhecer e proclamar a Soberania de Nosso Salvador. E por isso, depois de afirmarmos que se deve procurar “a paz de Cristo no reino de Cristo”, manifestamos que era intenção nossa trabalhar para este fim, na medida de nossas forças. “No reino de Cristo”, — dizíamos; porque, para restabelecer e confirmar a paz, outro meio mais eficiente não deparávamos do que reconhecer a Soberania de Nosso Senhor. Com o correr do tempo, claramente pressentimos o raiar de dias melhores, quando vimos o zelo dos povos em acudir, — uns pela primeira vez, outros com renovado ardor, — a Cristo e à sua Igreja, única dispensadora da salvação: sinal manifesto de que muitos homens, até o presente como que desterrados do reino do Redentor, por desprezarem sua autoridade, preparam, ainda bem, e levam a efeito sua volta à obediência.

PREPARAÇÃO PROVIDENCIAL DA NOVA FESTA. O ANO SANTO
2. Quanto, ao depois, sobreveio, quanto aconteceu no decorrer do “Ano Santo”, digno, na verdade, de eterna memória, porventura não concorreu eficazmente para a honra e glória do Fundador da Igreja, de sua soberania, de sua suprema realeza?
Exposição Missionária
Realizou-se, primeiro, a “Exposição Missionária”, que, nos corações e nos espíritos dos homens, produziu tão profunda impressão. Ali vimos os incansáveis trabalhos empreendidos pela Igreja, para dilatar cada vez mais o reino de seu Esposo, em todos os continentes, em todas as ilhas, até nas mais longínquas, perdidas no oceano. Vimos quantos países conquistaram ao catolicismo à custa de seus suores, de seu sangue, nossos heroicos e destemidos missionários. Vimos as imensas regiões que ainda ficam por sujeitar ao domínio benfazejo de nosso Rei.
Peregrinações jubilares
Realizaram-se, em seguida, romarias, vindas a Roma, durante o Ano Santo, de todas as partes do mundo, e guiadas por seus Bispos ou sacerdotes. Que motivos impeliam esses peregrinos, senão o desejo de purificarem suas almas e de proclamarem, junto ao Sepulcro dos Apóstolos e em Nossa presença, que estão e querem permanecer sob a autoridade de Cristo?
Canonizações
Por fim, conferimos a seis Confessores ou Virgens as honras dos Santos, depois de cabalmente provadas suas admiráveis virtudes. Não brilhou, nesse dia, com novo fulgor, o reino de Jesus? Que gozo, que consolação não foi para Nossa alma, depois de proferirmos os decretos definitivos, ouvir, no majestoso recinto de S. Pedro, a imensa multidão os fiéis aclamar com uma só voz, entre cantos de ação de graças, a realeza gloriosa de Cristo — “Tu Rex gloriae, Christe!” Num tempo em que indivíduos e estados, joguetes das sedições nascidas do ódio e discórdias civis, se precipitam para a ruína e a morte, a Igreja de Deus, prosseguindo a dar ao gênero humano o alimento da vida espiritual, gera e continua a educar para Cristo gerações sucessivas de Santos e Santas, e Cristo, por sua vez, não cessa de chamar à eterna felicidade do seu reino celeste quantos se Lhe demonstraram súditos fiéis e submissos de seu reino terrestre.
Centenário do Concílio de Niceia
Com o grande jubileu coincidiu o 16.° centenário do Concílio de Niceia. Mandamos festejar este aniversário secular, e Nós mesmo o comemoramos na Basílica Vaticana, com tanto melhor grado, que este Concílio definiu e proclamou dogma de fé católica a “consubstancialidade” do Unigênito de Deus com seu Pai, e, inserindo em sua fórmula de fé, ou “Credo”, as palavras: “cujo reino não terá fim — cujus regni non erit finis” — com isto mesmo afirmou a dignidade real de Cristo.
Súplica em favor de Cristo-Rei
3. Portanto, já que este ano jubilar, em mais de uma ocasião, contribuiu para pôr em realce a realeza de Cristo, julgamos cumprir um dos atos mais próprios do Nosso ofício apostólico, acedendo às súplicas, assim individuais como coletivas, de numerosos Cardeais, Bispos ou fiéis, e encerrar este ano com introduzir na liturgia da Igreja uma festa especial em honra de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei. Este argumento temo-lo tanto a peito, Veneráveis Irmãos, que desejamos entreter-nos dele convosco alguns instantes. Empenho vosso será, depois, tornar, acessível à inteligência e aos sentimentos populares quanto dissermos sobre o culto de “Cristo-Rei”, de modo que a nova festa anual produza agora e no porvir múltiplos frutos.
FUNDAMENTO DOUTRINAL DA NOVA FESTA
Cristo-Rei no sentido metafórico
4. Muito há que a linguagem corrente dá a Cristo o nome de “Rei em sentido metafórico e transposto”. “Rei” é Cristo, com efeito, atenta a eminente e suprema perfeição com que sobrepuja a todas as criaturas. Assim, dizemos que “reina sobre as inteligências humanas”, por causa da penetração do seu espírito e da extensão de sua ciência, mas sobretudo porque é a própria Verdade em pessoa, de quem, portanto, é força que recebam rendidamente os homens toda verdade. Dizemos que “reina sobre as vontades humanas”, porque n’Ele se alia a indefectível santidade do divino querer com a mais reta, a mais submissa das vontades humanas; e também porque suas inspirações entusiasmam nossa vontade livre pelas causas mais nobres. Dizemos, enfim, que é “Rei dos corações”, por causa daquela inefável “caridade que excede a toda humana compreensão” (Ef 3, 19); e porque sua doçura e sua bondade atraem os corações: pois nunca houve, no gênero humano, e nunca haverá quem tanto amor tenha ateado como Cristo Jesus.
Cristo Deus-Homem Rei da Humanidade em sentido próprio
5. Aprofundemos sempre mais o nosso argumento. É manifesto que o nome e o poder de “Rei”, no sentido próprio da palavra, competem a Cristo em sua Humanidade, porque só de Cristo enquanto homem é que se pode dizer: do Pai recebeu “poder, honra e realeza” (Dan 7, 13-14). Enquanto Verbo, consubstanciai ao Pai, não pode deixar de Lhe ser em tudo igual e, portanto, de ter, como Ele, a suprema e absoluta soberania e domínio de todas as criaturas.
Testemunho ao Antigo Testamento
6. Que Cristo seja Rei, não o lemos nós na Escritura? Ele é o “Dominador oriundo de Jacob” (Num 24, 19), Ele o “Rei, dado pelo Pai a Sião, sua Santa Montanha, para receber em herança as nações, e dilatar seu domínio até os confins da Terra” (Sl 2, 6. 8), Ele o verdadeiro “Rei vindouro” de Israel, que o cântico nupcial nos representa sob os traços de um soberano opulento e poderoso, a quem se dirigem estas palavras: “O teu trono, ó Deus, subsistirá por todos os séculos: a vara de retidão é a vara de teu reino” (Sl 44, 7). Omitindo muitos passos análogos, deparamos além, como, para delinear com maior nitidez a fisionomia de Cristo, vem predito que seu reino desconhecerá fronteiras e desfrutará os tesouros da justiça e da paz. “Nos dias d’Ele, aparecerá justiça e abundância de paz… E dominará de mar a mar, e desde o rio até os confins da Terra” (SL 71, 7-8). A esses testemunhos, juntam-se mais numerosos ainda os oráculos dos Profetas, e notadamente a tão conhecida profecia de Isaías: “Já um Pequenino se acha nascido para nós, e um filho nos foi dado, e foi posto o principado sobre o seu ombro; e o nome com que se apelide será Admirável, Conselheiro, Deus, Forte, Pai do futuro século, Príncipe da Paz. O seu império se estenderá cada vez mais, e a paz não terá fim; assentar-se-á sobre o trono de David e sobre o seu reino, para o firmar e fortalecer em juízo e justiça, desde então e para sempre” (Is 9, 6-7).
7. Não é outro o modo como se expressam os demais Profetas. Assim fala Jeremias, quando prenuncia à descendência de David “um germe de justiça”, esse filho de David, que reinará como Rei, “será sábio e obrará segundo a equidade e justiça na Terra” (Jer 23, 5). Assim Daniel, quando prediz a constituição por Deus de um reino “que não será jamais dissipado… e que durará eternamente” (Dan 2, 44). E pouco depois acrescenta: “Eu considerava estas coisas numa visão de noite, e eis que vi um, como o Filho do Homem, que vinha com as nuvens do Céu, e que chegou até o Antigo dos dias; e eles o apresentaram diante d’Ele. E Ele Lhe deu o poder, e a honra, e o reino; todos os povos, e tribos e línguas o servirão: o seu poder é um poder eterno, que Lhe não será tirado, e o seu reino tal, que não será jamais corrompido” (Dan 7, 13-14). Assim Zacarias, quando profetiza a entrada em Jerusalém, entre as aclamações do povo, do “Justo e Salvador”, do Rei cheio de mansidão “montado sobre uma jumenta, e sobre o potrinho da jumenta” (Zac 9, 9). E não apontaram os Evangelistas o cumprimento desta profecia?
Testemunho do Novo Testamento
8. Esta doutrina de “Cristo Rei”, que acabamos de esboçar segundo os livros do Antigo Testamento, bem longe de apagar-se nas páginas do Novo, vem ali, ao invés, confirmada do modo mais esplêndido e em termos admiráveis. Bastará lembrar apenas a mensagem do Arcanjo à Virgem, a anunciar-lhe que dará à luz um Filho; a este Filho, Deus outorgará “o trono de David, seu pai, e reinará eternamente na casa de Jacob, e seu reino não terá fim” (Lc 1, 32-33). Ouçamos agora o testemunho do próprio Cristo no tocante à sua soberania. Sempre que se Lhe oferece ensejo, — em seu último discurso ao povo, sobre a recompensa e os castigos que, na vida eterna, aguardam os justos e os maus; em sua resposta ao governador romano que Lhe perguntara se era Rei; depois de sua ressurreição, quando confia aos Apóstolos a missão de instruírem e batizarem todas as nações, — reivindica o título de “Rei” (Mt 25, 31-40), e publicamente declara que é “Rei” (Jo 18, 37) e que “todo poder Lhe foi dado no Céu e sobre a Terra” (Mt 28, 18). Que entende com isto, senão afirmar a extensão de sua potência, a imensidade do seu reino? À vista disto, deverá fazer-nos estranheza que S. João o proclame “Príncipe dos reis da terra? (Apoc 1, 5) ou que, aparecendo o próprio Jesus ao mesmo Apóstolo em suas visões proféticas “traga escrito no vestido e na coxa: Rei dos reis e Senhor dos senhores”? (Apoc 19, 16). O Pai, com efeito, constituiu a Cristo “herdeiro de todas as coisas” (Heb 1, 1). Cumpre que reine até o fim dos tempos, quando “arrojará todos os seus inimigos sob os pés de Deus e do Pai” (1 Cor 15, 25).
Testemunho da Liturgia
9. Desta doutrina comum a todos os livros santos, naturalmente dimana a seguinte consequência: justo é que a Igreja Católica, reino de Cristo na Terra, chamada a estender-se a todos os homens, a todas as nações do universo, multiplicando os preitos de veneração, celebre, no ciclo anual da Liturgia Santa, a seu Autor e Instituidor como a Rei, como a Senhor, como a Rei dos reis. Com admirável variedade de fórmulas, estas homenagens expressam um e o mesmo pensamento; desses títulos servia-se a Igreja outrora no divino ofício e nos antigos sacramentados; repete-os ainda agora, nas preces públicas, que todos os dias dirige à Infinita Majestade e na oblação da Hóstia Imaculada. Nesse louvor ininterrupto de Cristo-Rei, nota-se para logo a formosa harmonia dos nossos ritos com os ritos orientais, verificando-se aqui também a verdade, do prolóquio: “as normas da oração confirmam os princípios da Fé”.
Argumento teológico
10. O fundamento sobre que pousa esta dignidade e poder de Nosso Senhor, define-o exatamente S. Cirilo de Alexandria, quando escreve: “Numa palavra, possui o domínio de todas as criaturas, não pelo ter arrebatado com violência, senão em virtude de sua essência e natureza” (In Lucam, 10). Esse poder dimana daquela admirável união que os teólogos chamam de “hipostática”. Portanto, não só merece Cristo que anjos e homens O adorem como a seu Deus, senão que também devem homens e anjos prestar-Lhe submissa obediência como a Homem. E assim, só em força dessa união, a Cristo cabe o mais absoluto poder sobre todas as criaturas, posto que, durante sua vida mortal, renunciasse ao exercício desse domínio.
— Mas haverá, outrossim, pensamento mais suave do que refletir que Cristo é nosso Rei não só por direito de natureza, mas também a título de Redentor? Lembrem-se os homens esquecidos de quanto custamos a nosso Salvador. “Não fostes resgatados a preço de coisas perecíveis, prata e outro, mas com o sangue precioso de Cristo, como de cordeiro sem mancha nem defeito” (1 Ped 1, 18-19). Já nos não pertencemos, pois que deu Cristo por nós “tão valioso resgate” (1 Cor 6, 20). Até nossos corpos são “membros de Cristo” (1 Cor 6, 15).
ÍNDOLE DA REALEZA DE CRISTO
A Cristo-Rei cabe o poder legislativo, judicial, executivo
11. Para dizer, em poucas palavras, a importância e índole desta realeza, será apenas necessário asserir que abrange um tríplice poder constitutivo, essencial de toda realeza verdadeira. Provam-no de sobejo os testemunhos de toda a Escritura no tocante à dominação universal de nosso Redentor, e é artigo de fé católica: Cristo Jesus foi dado aos homens não só como Redentor, que lhes merece toda confiança, mas também como Legislador, a quem devemos prestar obediência (Conc. Trid., Sess. 6, can. 21). E, com efeito, não dizem os Evangelhos tão só que promulgou leis, mas no-lo representam no ato de promulgar as leis. A quantos observarem os seus preceitos, declara o Divino Mestre, em várias ocasiões e de diversos modos, que com isto mesmo Lhe hão de provar o seu amor e permanecer em sua caridade (Jo 14, 15); 15, 10). Quanto ao “poder judicial”, declara o próprio Jesus havê-lo recebido de seu Pai, em resposta aos judeus, que o haviam acusado de violar o descanso do sábado, curando milagrosamente, neste dia, a um paralítico. “O Pai, disse-lhes o Salvador, não julga a ninguém, mas deu todo juízo ao Filho” (Jo 5, 22). Esse poder judicial igualmente inclui o “direito”, — que se não pode dele separar, — de “premiar” e “punir” aos homens, mesmo durante a vida. — A Cristo compete o “poder executivo”, porquanto devem todos sujeitar-se ao seu domínio, e quem for rebelde não poderá evitar a condenação e os suplícios, que Jesus prenunciou.
Realeza espiritual
12. Esta realeza, porém, é principalmente interna e respeita sobretudo a ordem espiritual. Provam-no com toda evidência as palavras da Escritura acima referidas, e, em muitas circunstâncias, o proceder do próprio Salvador. Quando os judeus, e até os Apóstolos, erradamente imaginavam que o Messias libertaria seu povo para restaurar o reino de Israel, Jesus desfez o erro e dissipou a ilusória esperança. Quando, tomada de entusiasmo, a turba, que O cerca, O quer proclamar rei, com a fuga furta-se o Senhor a estas honras, e oculta-se. Mais tarde, perante o governador romano, declara que seu reino “não é deste mundo”. Neste reino, tal como no-lo descreve o Evangelho, é pela penitência que devem os homens entrar. Ninguém, com efeito, pode nele ser admitido sem a fé e o batismo; mas o batismo, conquanto seja um rito exterior, figura e realiza uma regeneração interna. Este reino opõe-se ao reino de Satanás e ao poder das trevas; de seus adeptos exige o desprendimento não só das riquezas e dos bens terrestres, como ainda a mansidão, a fome e sede da justiça, a abnegação de si mesmo, para carregar com a cruz. Foi para adquirir a Igreja que Cristo, enquanto “Redentor”, verteu o seu sangue; para isto é, que, enquanto “Sacerdote”, se ofereceu e de contínuo se oferece como vítima. Quem não vê, em consequência, que sua realeza deve ser de índole toda espiritual, e participar da natureza deste seu duplo ofício?
13. Todavia, fora erro grosseiro denegar a Cristo Homem a soberania sobre as coisas temporais todas, sejam quais forem. Do Pai recebeu Jesus o mais absoluto domínio das criaturas, que Lhe permite dispor delas todas como Lhe aprouver. Contudo, enquanto viveu sobre a Terra, absteve-se totalmente de exercer este domínio temporal, e desprezou a posse e regimento das coisas humanas, que deixou — e deixa ainda — ao arbítrio e domínio dos homens. Verdade graciosamente expressa no conhecido verso: “Não arrebata diademas terrestres, quem distribui coroas celestes. — Non eripit mortalia, qui regna dat caelestia” (Hino Crudelis Herodes, of. da Epif.).
Realeza universal
14. Assim, pois, a realeza do nosso Redentor abraça a totalidade dos homens. Sobre este ponto, de muito bom grado fazemos Nossas as palavras seguintes de Nosso Predecessor Leão XIII, de imortal memória: “Seu império não abrange tão só as nações católicas ou os cristãos batizados, que juridicamente pertencem à Igreja, ainda quando dela separados por opiniões errôneas ou pelo cisma: estende-se igualmente e sem exceções aos homens todos, mesmo alheios à fé cristã, de modo que o império de Cristo Jesus abarca, em todo rigor da verdade, o gênero humano inteiro” (Encícl. Annum Sacrum, 25 de Maio de 1899). E, neste particular, não cabe fazer distinção entre os indivíduos, as famílias e os estados; pois os homens não estão menos sujeitos à autoridade de Cristo em sua vida coletiva do que na vida individual. Cristo é fonte única de salvação para as nações como para os indivíduos. “Não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do Céu nenhum outro nome foi dado aos homens, pelo qual nós devamos ser salvos” (At 4, 12). Dele provêm ao estado como ao cidadão toda prosperidade e bem-estar verdadeiro. “Uma e única é a fonte da ventura, assim para as nações como para os indivíduos, pois outra coisa não é a cidade mais que uma multidão concorde de indivíduos” (S. Aug., Epist. ad Macedonium, c. 3). Não podem, pois, os homens de governo recusar à soberania de Cristo, em seu nome pessoal e no de seus povos, públicas homenagens de respeito e submissão. Com isto, sobre estearem o próprio poder, hão de promover e aumentar a prosperidade nacional.
BENEFÍCIOS SOCIAIS DESTA REALEZA
Crise da autoridade
15. Ao subirmos à cátedra pontifical, deplorávamos o lastimável decaimento em que vemos abatido o prestígio do direito e a reverência à autoridade. Quanto então dizíamos não é hoje menos atual ou oportuno. “Excluídos da legislação e dos negócios públicos Deus e Jesus Cristo, e derivando, os que regem, o seu poder, não já do alto, mas dos homens, aconteceu que ruiu o próprio fundamento da autoridade, em consequência de estar removida a razão fundamental do direito que a uns assiste de mandar, e da obrigação consequente que têm outros de obedecer. Seguiu-se daí forçosamente um abalo na humana sociedade inteira, falha assim de amparo e sustentáculo firme” (Encícl. Ubi arcano, DP 19). Se soubessem resolver-se os homens a reconhecer a autoridade de Cristo em sua vida particular e pública, para logo deste ato dimanariam em toda a humanidade incomparáveis benefícios: —: uma justa liberdade, a ordem e o sossego, a concórdia e a paz.
No interior dos estados
16. Com dar à autoridade dos príncipes e chefes de governo certo caráter sagrado, a dignidade real de Nosso Senhor enobrece com isto mesmo os deveres e a sujeição dos cidadãos. Tanto assim que o Apóstolo S. Paulo, depois de prescrever às mulheres casadas e aos escravos de reconhecerem a Cristo na pessoa de seus maridos e senhores, lhes recomendava, ainda assim, de obedecerem não servilmente, como a homens, mas tão só em espírito de fé como a representantes de Cristo, porque ,é indigno de uma alma resgatada por Cristo obedecer com servilismo a um homem. “Fostes resgatados com grande preço: não estejais sujeitos já como escravos a homens” (1 Cor 7, 23). Se os príncipes e governos legitimamente constituídos tivessem a persuasão de que regem menos no próprio nome do que em nome e lugar do Rei Divino, é manifesto que usariam do seu poder com toda a prudência, com toda a sabedoria possíveis. Em legislar e na aplicação das leis, como haveriam de atender ao bem comum e à dignidade humana de seus súbditos! Então floresceria a ordem, então víramos difundir-se e firmar-se a tranquilidade e a paz; embora o cidadão reconhecesse nos príncipes e chefes de governo homens iguais a si pela natureza ou mesmo, por algum respeito, indignos ou repreensíveis, não deixara por isto de lhes obedecer, por depreender neles a imagem e autoridade de Cristo, Deus-Homem.
Vantagens sociais para as nações
17. Pelo que respeita à concórdia e à paz, é manifesto que, quanto mais vasto é um reino, quanto mais largamente abraça o gênero humano, tanto é maior a consciência em seus membros do vínculo de fraternidade que os une. Esta consciência, assim como remove e dissipa os frequentes conflitos, assim também atenua e suaviza os amargores que dos conflitos nascem. E se o reino de Cristo abarcara de fato, como de direito abarca, as nações todas, porque deveríamos perder a esperança dessa paz que à Terra veio trazer o Rei pacífico, esse Rei que veio “para reconciliar todas as coisas” (Col 1, 20), “que não veio para ser servido, mas para servir aos outros” (Mc 10, 45) e que, embora “Senhor de todos” (Gál 4, 1), deu exemplo de humildade e principalmente inculcou esta virtude, de envolta com a caridade, acrescentando: “Meu jugo é suave, e é leve minha carga” (Mt 11, 30). Oh! que ventura não pudéramos gozar, se os indivíduos, se as famílias, se a sociedade se deixasse reger por Cristo! “Então, finalmente — para citarmos as palavras que, há 25 anos, Nosso Predecessor Leão XIII dirigia aos Bispos do mundo inteiro — então fora possível sanar tantas feridas; o direito recobrara seu antigo viço, seu prestígio de outras eras; então tornaria a paz com todos os seus encantos e cairiam das mãos armas e espadas, quando todos de bom grado aceitassem o império de Cristo, Lhe obedecessem, e toda língua proclamasse que “Nosso Senhor Jesus Cristo está na glória de Deus Padre” (Ene. Annum Sacrum).
A FESTA DE JESUS CRISTO-REI
18. E a fim de que a sociedade cristã goze largamente de tão preciosas vantagens e para sempre as conserve, é mister que se divulgue quanto possível o conhecimento da dignidade real de Nosso Salvador. Ora, nada pode, pelo que Nos parece, conseguir melhor este resultado, do que a instituição de uma festa própria e especial em honra de Cristo-Rei.
Influência da liturgia na vida cristã
19. Com efeito, para instruir o povo nas verdades da fé e levá-lo assim às alegrias da vida interna, mais eficazes que os documentos mais importantes do Magistério eclesiástico são as festividades anuais dos sagrados mistérios. Os documentos do Magistério, de fato, apenas alcançam um restrito número de espíritos mais cultos, ao passo que as festas atingem e instruem a universalidade dos fiéis. Os primeiros, por assim dizer, falam uma vez só, as segundas falam sem intermitência de ano para ano; os primeiros dirigem-se, sobretudo, ao entendimento; as segundas influem não só na inteligência, mas também no coração, quer dizer — no homem todo. Composto de corpo e alma, precisa o homem dos incitamentos exteriores das festividades, para que, através da variedade e beleza dos sagrados ritos, recolha no ânimo a divina doutrina, e, transformando-a em substância e sangue, tire dela novos progressos em sua vida espiritual.
Origem histórica e providencial das festas na Igreja
20. Além disso, ensina-nos a própria história, que estas festividades litúrgicas foram introduzidas, no decorrer dos séculos, umas após outras, para responder a necessidades ou vantagens espirituais do povo cristão. Foram-se constituindo para fortalecer os ânimos em presença de algum perigo comum, para premunir os espíritos contra os ardis da heresia, para mover e inflamar os corações a celebrar com mais ardente piedade algum mistério de nossa fé ou algum benefício da divina graça. Assim é que, desde os primeiros tempos da era cristã, quando, acossados das mais cruentas perseguições, os fiéis começaram, com sagrados ritos, a comemorar os mártires, para que — como diz S. Agostinho — “as solenidades dos mártires fossem exortação ao martírio” (Sermo 47, de Sanctis). As honras litúrgicas, mais tardes decretadas aos confessores, às virgens, às viúvas, contribuíram singularmente para promover nos fiéis o zelo pela virtude, indispensável mesmo em tempo de paz. Especialmente as festas em honra da Virgem Beatíssima fizeram com que o povo cristão não só tributasse à Mãe de Deus, sua Protetora por excelência, culto mais assíduo, senão que ao mesmo tempo fosse de contínuo crescendo seu amor filial à Mãe que o Redentor lhe deixara como que em testamento. Dentre os benefícios que dimanaram do culto público e legitimamente prestado à Mãe de Deus e aos Santos do Céu, não é o menor a vitória constante com que a Igreja se cobriu de louros, ao debelar e repelir a heresia e o erro. E nisto devemos admirar os desígnios da Divina Providência, que, segundo costuma, tira o bem do mal. Permitiu que, de tempos a tempos, entibiasse a fé e a piedade popular; permitiu que doutrinas errôneas armassem insídias à piedade católica, mas sempre com o intuito de fazer finalmente fulgir a verdade com novo esplendor e mover os fiéis, espertos da tibieza, a tenderem com novo zelo a graus mais elevados de santidade e perfeição cristã. Idêntica é a origem, idênticos os frutos que produziram as solenidades recentemente introduzidas no calendário litúrgico. Tal é a festa do “Corpus Christi”, instituída quando se esfriava a reverência e o culto para com o SS. Sacramento; celebrada com brilho singular, protraída por oito dias de suplicações coletivas, a nova solenidade devia reconduzir os povos à adoração pública do Senhor. Tal é a festa do Coração Santíssimo de Jesus estabelecida na época em que, abatidos e desalentados pelas tristes doutrinas e o rigorismo sombrio do jansenismo, os fiéis sentiam seus corações regelados e com escrúpulo deles excluíam todo sentimento de amor de Deus e a esperança de conseguirem a eterna salvação.
Oportunidade da festa
21. Para Nós também soou a hora de provermos às necessidades dos tempos presentes e de opormos um remédio eficaz à peste que corrói a sociedade humana. Fazemo-lo, prescrevendo ao universo católico o culto de Cristo-Rei. Peste de nossos tempos é o chamado “laicismo”, com seus erros e atentados criminosos.
Excessos do laicismo
22. Como bem sabeis, Veneráveis Irmãos, não é num dia que esta praga chegou à sua plena maturação; há muito, estava latente nos estados modernos. Começou-se, primeiro, a negar a soberania de Cristo sobre todas as nações; negou-se, portanto, à Igreja o direito de doutrinar o gênero humano, de legislar e reger os povos em ordem à eterna bem-aventurança. Aos poucos, foi equiparada a religião de Cristo aos falsos cultos e indecorosamente rebaixada ao mesmo nível. Sujeitaram-na, em seguida, à autoridade civil, entregando-a, por assim dizer, ao capricho de príncipes e governos. Houve até quem pretendesse substituir à religião de Cristo um simples sentimento de religiosidade natural. Certos estados, por fim, julgaram poder dispensar-se do próprio Deus e fizeram consistir sua religião na irreligião e no esquecimento consciente e voluntário de Deus.
Frutos perniciosos do laicismo
23. Os frutos sobremodo amargosos que, tantas vezes e com tanta persistência, produziu esta apostasia dos indivíduos e dos estados, que desertam a Cristo, expendemo-los na Encíclica “Ubi arcano”. Tornamos a lamentá-los hoje. Frutos desta apostasia são os germes de ódio esparsos por toda parte, as invejas e rivalidades entre nações, que alimentam as discórdias internacionais e dificultam ainda agora a restauração da paz; frutos desta apostasia as ambições desenfreadas, que muitas vezes se encobrem com a máscara do interesse público e do amor da pátria, e suas tristes consequências: dissensões civis, egoísmo cego e desmedido, sem outro fito nem outra regra mais que vantagens pessoais e proveitos particulares. Fruto desta apostasia a perturbação da paz doméstica, pelo esquecimento e desleixo das obrigações familiares, o enfraquecimento da união e estabilidade no seio das famílias, e por fim o abalo na sociedade toda, que ameaça ruir.
Pusilanimidade de certos católicos
24. A festa, doravante ânua, de “Cristo-Rei” dá-nos a mais viva esperança de acelerarmos a tão desejada volta da humanidade a seu Salvador amantíssimo. Fora, com certeza, dever dos católicos, apressar e preparar esta volta com diligente empenho; a muitos deles, contudo, pelo que parece, não toca, na sociedade civil, o posto e a autoridade que conviriam aos apologistas da fé. Talvez deva este fato atribuir-se à indolência e timidez dos bons que se abstêm de toda resistência, ou resistem com moleza, donde provém, nos adversários da Igreja, novo acréscimo de pretensões e de audácia. Mas, desde que a massa dos fiéis se compenetre de que é obrigação sua combater com valentia e sem tréguas sob os estandartes de Cristo-Rei, o zelo apostólico abrasará seus corações, e todos se esforçarão de reconciliar com o Senhor as almas que o ignoram ou dele desertaram; todos, enfim, se esforçarão por manter inviolados os direitos do próprio Deus.
Protesto e reparação
25. Mas não basta. Uma festa, anualmente celebrada por todos os povos em homenagem a Cristo-Rei, será sobremaneira eficaz para condenar e ressarcir, de algum modo, esta apostasia pública, tão desastrada para as nações, gerada pelo laicismo. Com efeito, quanto mais vergonhosamente se passa em silêncio, quer nas conferências internacionais, quer nos Parlamentos, o nome suavíssimo do nosso Redentor, tanto mais alto o devemos aclamar, tanto mais devemos reconhecer os direitos que a Cristo conferem sua dignidade e poder real.
CONVENIÊNCIAS ATUAIS DA INSTITUIÇÃO DA FESTA
Precedentes da festa de Cristo-Rei
26. E quem não vê que, desde os últimos anos do século passado, se ia, de modo admirável, preparando o caminho à instituição desta festa? Ninguém, com efeito, ignora como, com livros que se escreveram nas várias línguas do mundo inteiro, este culto foi explicado e doutamente defendido. Sabem todos que a autoridade e realeza de Cristo foi já reconhecida pela piedosa prática de se consagrarem e dedicarem ao Sagrado Coração de Jesus famílias inumeráveis. E não só famílias, mas também estados e reinos praticaram o mesmo ato. Antes, por iniciativa e direção de Leão XIII, o universo gênero humano foi felizmente consagrado a este Coração Santíssimo, no correr do Ano Santo de 1900. Não podemos preterir os congressos eucarísticos que nossa época viu multiplicar-se em tão grande número. Tão bem serviram à causa da solene proclamação humana. Reunidos para apresentar à veneração e às homenagens populares de uma diocese, de uma província, de uma nação, ou mesmo do mundo inteiro, Cristo-Rei, oculto sob os véus eucarísticos, esses congressos, em conferências realizadas nas suas assembleias, em sermões proferidos nas igrejas, por meio da exposição pública ou da adoração em comum do Santíssimo Sacramento e de grandiosas procissões, enaltecem a Cristo como a Rei que de Deus receberam os homens. Este Jesus, que os ímpios recusaram acolher quando veio a seu reino, pode-se dizer, com toda a verdade, que o povo cristão, movido de uma inspiração divina, vai arrancá-l’O ao silêncio e, por assim dizer, à obscuridão dos templos, para levá-l’O, qual triunfador, pelas ruas das grandes cidades e reintegrá-l’O em todos os direitos de sua realeza.
Excelentes disposições dos fiéis ao saírem do jubileu
27. Para a realização deste Nosso desígnio, de que acabamos de falar, oferece-Nos ensejo sumamente oportuno o “Ano Santo” que finda. Este ano veio relembrar ao espírito e ao coração dos fiéis os bens celestes que sobrepujam todo sentimento natural. Em sua bondade infinita, Deus restitui a uns a sua graça, e confirma a outros no bom caminho, infundindo-lhes novo ardor para aspirarem a dons mais perfeitos. Quer atendamos às numerosas súplicas que nos foram dirigidas, quer consideremos os acontecimentos que se dirigidas, quer consideremos os acontecimentos que se deram no correr do “Ano Santo”, sobeja razão nos assiste de pensarmos que deveras para Nós soou a hora de proferirmos a sentença tão ansiosamente de todos aguardada e que decretemos uma festa especial em honra de Cristo, Rei de todo o gênero humano. Durante este ano, com efeito, como a princípio dissemos, este divino Rei, deveras admirável em seus Santos, conquistou novos triunfos, com a elevação às honras dos altares de mais um manípulo de soldados seus. Durante este ano, uma exposição extraordinária pôs ante os olhos do mundo as fadigas e, de algum modo, os próprios trabalhos dos arautos do Evangelho, e todos puderam admirar as vitórias ganhas por esses campeões de Cristo, para a extensão do seu reino; durante este ano, finalmente, com o centenário do Concílio de Niceia, comemoramos, contra os seus detratores, a defesa e definição do dogma da consubstancialidade do Verbo Humanado com seu Pai, verdade na qual descansa, como em fundamento, a soberania de Cristo sobre todos os povos.
Data e modalidade da festa
28. Portanto, em virtude de Nossa autoridade apostólica, instituímos a festa de “Nosso Senhor Jesus Cristo Rei”, mandando que seja celebrada cada ano, no mundo inteiro, no último domingo de Outubro imediato à solenidade de Todos os Santos. Prescrevemos igualmente que, cada ano, se renove, nesse dia, a consagração do gênero humano ao Coração de Jesus, que já Nosso Predecessor de saudosa memória Pio X ordenara se fizesse anualmente. Contudo, queremos que, neste ano, a renovação se faça a 31 de Dezembro; nesse dia, celebraremos missa pontifical em honra de “Cristo-Rei”, e mandaremos proferir, em Nossa presença, o ato de consagração. Quer parecer-Nos que não pode haver melhor encerramento do “Ano Santo”, e que destarte daremos a “Cristo, Rei Imortal dos séculos”, o testemunho mais eloquente de nossa gratidão e do reconhecimento do universo católico, de quem Nos fazemos intérpretes, pelos benefícios que, neste período de graças, concedeu a Nós mesmo, à Igreja, à cristandade toda.
Objeto formal da nova festa
29. É escusado, Veneráveis Irmãos, explicar-vos longamente os motivos de uma festa especial em honra de “Cristo-Rei”. Pois, conquanto outras festas, já existentes, enalteçam e de algum modo glorifiquem sua dignidade real, basta, contudo, observar que, se todas as festas de Nosso Senhor têm a Cristo, segundo a linguagem dos teólogos, por “objeto material”, de modo algum é o poder e apelativo de Rei “objeto formal” das mesmas.
Seu lugar no ciclo litúrgico
30. Fixando a nova festa em um domingo, quisemos que o clero fosse o único em prestar suas homenagens a “Cristo-Rei”, com a celebração do Santo Sacrifício e a reza do Santo Ofício, mas que o povo, desimpedido de suas ocupações ordinárias, e animado de santa alegria, pudesse dar a Cristo, como a seu Senhor e Soberano, um manifesto testemunho de obediência. Finalmente mais apropriado Nos pareceu o último domingo de Outubro, porque este domingo, em certo modo, encerra o ciclo do ano litúrgico; destarte, os mistérios da vida de Jesus Cristo, comemorados no decorrer do ano que finda, terão na solenidade de “Cristo-Rei” seu como termo e coroa, e antes de celebrar a glória de todos os Santos, a liturgia proclamará e enaltecerá a glória d’Aquele que em todos os Santos e em todos os eleitos triunfa. É dever, é direito vosso, Veneráveis Irmãos, fazer preceder a festa por uma série de instruções que se dêem, em dias determinados, nas diferentes paróquias, para instruir acuradamente o povo da natureza, significado e importância desta festa, por onde os fiéis regulem a sua vida em modo a torná-la digna de súbditos leais e submissos de coração à soberania do Divino Rei.
Esperanças e augúrios
31. Ao fecharmos esta carta, quiséramos ainda, Veneráveis Irmãos, expor-vos brevemente os frutos, que, tanto para a Igreja e a sociedade civil, como para cada um dos fiéis, esperamos deste culto público prestado a Cristo-Rei.
Melhor compreensão dos direitos da Igreja
32. A obrigação de tributar à soberania de Nosso Senhor as homenagens, a que nos referimos, relembra, juntamente, aos homens os direitos da Igreja. Instituída por Cristo, que lhe deu a forma orgânica de sociedade perfeita, exige, em virtude deste direito, que dimana de sua origem divina e que ela não pode abdicar, a plena liberdade, a independência absoluta do poder civil. No desempenho de sua divina missão, de ensinar, reger e conduzir à eterna felicidade todos os membros do reino de Cristo, não pode, de modo algum, depender de vontade estranha. Antes, idêntica liberdade deve o estado conceder às ordens e congregações religiosas de ambos os sexos, pois são os auxiliares mais firmes dos Pastores da Igreja, os que mais eficazmente se empenham em difundir e confirmar o reinado de Cristo, primeiro debelando em si, com a profissão religiosa, o mundo e sua tríplice concupiscência, e depois, pelo fato de haverem abraçado uma profissão de vida mais perfeita, fazendo resplandecer aos olhos de todos, com fulgor contínuo e cada dia crescente, esta santidade de que o divino Fundador quis fazer uma nota distinta de sua Igreja autêntica.
Restauração do culto público e oficial
33. Com a celebração ânua desta festa hão de relembrar-se, outrossim, os Estados que aos governos e à magistratura incumbe a obrigação, bem assim como aos particulares, de prestar culto público a Cristo e sujeitar-se às suas leis. Lembrar-se-ão também os chefes da sociedade civil do juízo final, quando Cristo acusará aos que o expulsaram da vida pública, e a quantos, com desdém, o desprezaram ou desconheceram; de tamanha afronta há de tomar o Supremo Juiz a mais terrível vingança; seu poder real, com efeito, exige que o Estado se reja totalmente pelos mandamentos de Deus e os princípios cristãos, quer se trate de fazer leis, ou de administrar a justiça, quer da educação intelectual e moral da juventude, que deve respeitar a sã doutrina e a pureza dos costumes.
Grande impulso à piedade dos fiéis
34. Que energias, além disso, que virtude não poderão os fiéis haurir da meditação destas verdades, para amoldar seus espíritos aos princípios verdadeiros da vida cristã! Se todo o poder foi dado ao Senhor Jesus, no céu e na terra, se os homens, resgatados pelo seu sangue preciosíssimo, se tornam, com novo título, súditos de seu império, se, finalmente, este poder abraça a natureza humana em seu conjunto, é claro que nenhuma de nossas faculdades se pode subtrair a essa realeza. É mister, pois, que reine em nossas inteligências: com plena submissão, com adesão firme e constante, devemos crer as verdades reveladas e os ensinos de Cristo. É mister que reine em nossas vontades: devemos observar as leis e os mandamentos de Deus. É mister que reine em nossos corações: devemos mortificar nossos afetos naturais, e amar a Deus sobre todas ,as coisas. É mister que reine em nossos corpos e em nossos membros: devemos transformá-los em instrumentos, ou, para falarmos com S. Paulo (Rom 6, 13), “em armas de justiça, oferecidas a Deus”, para aumento da santidade de nossas almas. Eis os pensamentos que, propostos à reflexão dos fiéis e atentamente ponderados, hão de facilmente levá-los a mais elevada perfeição.
Augúrio final
35. Praza a Deus, Veneráveis Irmãos, que os homens, afastados da Igreja, procurem e aceitem, para salvação de suas almas, o jugo suave de Cristo. Quanto a nós todos, por divina misericórdia, súbditos e filhos seus, queira Deus que levemos este jugo, não de má vontade, mas com prazer, mas com amor, mas santamente. Assim, no decorrer de uma vida pautada pelas leis do reino do céu, recolheremos, alegres, grande cópia de frutos, e mereceremos que Cristo, reconhecendo-nos por bons e fiéis servidores de seu reino terrestre, nos admita, depois, a participar com Ele da eterna felicidade e da glória sem fim em seu reino celeste.
Aceitai, Veneráveis Irmãos, ao decorrerem as festas natalícias do Senhor, este presságio e este augúrio, como prova de Nosso paternal afeto, e, como penhor de divinos favores, recebei a bênção apostólica, que, com toda a alma, vos concedemos a Vós, Veneráveis Irmãos, ao vosso clero e à vossa grei.
Dada em Roma, junto a S. Pedro, aos 11 de Dezembro do
Ano Santo de 1925, quarto do Nosso Pontificado.
Pio PP. XI

* II edição, 1950, Editora Vozes Ltda., Petrópolis, R. J. Rio de Janeiro-São Paulo.  Imprima-se por comissão especial do Exmo. e Revmo. Sr. Dom Manuel Pedro da Cunha Cintra, Bispo de Petrópolis. Frei Lauro Ostermann O. F. M, Petrópolis, 9-11-1950.

“Providentissimus Deus” – León XIII

CARTA ENCÍCLICA
PROVIDENTISSIMUS DEUS
DEL SUMO PONTÍFICE
LEÓN XIII 
SOBRE LOS ESTUDIOS BÍBLICOS
1. La providencia de Dios, que por un admirable designio de amor elevó en sus comienzos al género humano a la participación de la naturaleza divina y, sacándolo después del pecado y de la ruina original, lo restituyó a su primitiva dignidad, quiso darle además el precioso auxilio de abrirle por un medio sobrenatural los tesoros ocultos de su divinidad, de su sabíduría y de su misericordia(1). Pues aunque en la divina revelación se contengan también cosas que no son inaccesibles a la razón humana y que han sido reveladas al hombre, «a fin de que todos puedan conocerlas fácilmente, con firme certeza y sin mezcla de error, no puede decirse por ello, sin embargo, que esta revelación sea necesaria de una manera absoluta, sino porque Dios en su infinita bondad ha destinado al hombre a su fin sobrenatural»(2). «Esta revelación sobrenatural, según la fe de la Iglesia universal», se halla contenida tanto «en las tradiciones no escritas» como «en los libros escritos», llamados sagrados y canónicos porque, «escritos bajo la inspiración del Espíritu Santo, tienen a Dios por autor y en tal concepto han sido dados a la Iglesia»(3). Eso es lo que la Iglesia no ha cesado de pensar ni de profesar públicamente respecto de los libros de uno y otro Testamento. Conocidos son los documentos antiguos e importantísimos en los cuales se afirma que Dios que habló primeramente por los profetas, después por sí mismo y luego por los apóstoles nos ha dado también la Escritura que se llama canónica(4), y que no es otra cosa sino los oráculos y las palabras divinas(5), una carta otorgada por el Padre celestial al género humano, en peregrinación fuera de su patria, y transmitida por los autores sagrados(6). Siendo tan grande la excelencia y el valor de las Escrituras, que, teniendo a Dios mismo por autor, contienen la indicación de sus más altos misterios, de sus designios y de sus obras, síguese de aquí que la parte de la teología que se ocupa en la conservación y en la interpretación de estos libros divinos es de suma importancia y de la más grande utilidad.
2. Y así Nos, de la misma manera que hemos procurado, y no sin fruto, gracias a Dios, hacer progresar con frecuentes encíclicas y exhortaciones otras ciencias que nos parecían muy provechosas para el acrecentamiento de la gloria divina y de la salvación de los hombres, así también nos propusimos desde hace mucho tiempo excitar y recomendar este nobilísimo estudio de las Sagradas Letras y dirigirlo de una manera más conforme a las necesidades de los tiempos actuales. Nos mueve, y en cierto modo nos impulsa, la solicitud de nuestro cargo apostólico, no solamente a desear que esta preciosa fuente de la revelación católica esté abierta con la mayor seguridad y amplitud para la utilidad del pueblo cristiano, sino también a no tolerar que sea enturbiada, en ninguna de sus partes, ya por aquellos a quienes mueve una audacia impía y que atacan abiertamente a la Sagrada Escritura, ya por los que suscitan a cada paso novedades engañosas e imprudentes.
3. No ignoramos, ciertamente, venerables hermanos, que no pocos católicos sabios y de talento se dedican con ardor a defender los libros santos o a procurar un mayor conocimiento e inteligencia de los mismos. Pero, alabando a justo título sus trabajos y sus frutos, no podemos dejar de exhortar a los demás cuyo talento, ciencia y piedad prometen en esta obra excelentes resultados, a hacerse dignos del mismo elogio. Queremos ardientemente que sean muchos los que emprendan como conviene la defensa de las Sagradas Letras y se mantengan en ello con constancia; sobre todo, que aquellos que han sido llamados, por la gracia de Dios, a las órdenes sagradas, pongan de día en día mayor cuidado y diligencia en leer, meditar y explicar las Escrituras, pues nada hay más conforme a su estado.
4. Aparte de su importancia y de la reverencia debida a la palabra de Dios, el principal motivo que nos hace tan recomendable el estudio de la Sagrada Escritura son las múltiples ventajas que sabemos han de resultar de ello, según la promesa cierta del Espíritu Santo: «Toda la Escritura, divinamente inspirada, es útil para enseñar, para argüir, para corregir, para instruir en la justicia, a fin de que el hombre de Dios sea perfecto y pronto a toda buena obra»(7). Los ejemplos de Nuestro Señor Jesucristo y de los apóstoles demuestran que con este designio ha dado Dios a los hombres las Escrituras. Jesús mismo, en efecto, que «se ha conciliado la autoridad con los milagros y que ha merecido la fe por su autoridad y ha ganado a la multitud por la fe»(8), tenía costumbre de apelar a la Sagrada Escritura en testimonio de su divina misión. En ocasiones se sirve de los libros santos para declarar que es el enviado de Dios y Dios mismo; de ellos toma argumentos para instruir a sus discípulos y para apoyar su doctrina; defiende sus testimonios contra las calumnias de sus enemigos, los opone a los fariseos y saduceos en sus respuestas y los vuelve contra el mismo Satanás, que atrevidamente le solicitaba; los emplea aun al fin de su vida y, una vez resucitado, los explica a sus discípulos hasta que sube a la gloria de su Padre.
5. Los apóstoles, de acuerdo con la palabra y las enseñanzas del Maestro y aunque El mismo les concedió el don de hacer milagros(9), sacaron de los libros divinos un gran medio de acción para propagar por todas las naciones la sabiduría cristiana, vencer la obstinación de los judíos y sofocar las herejías nacientes. Este hecho resalta en todos sus discursos, y en primer término en los de San Pedro, los cuales tejieron en gran parte de textos del Antiguo Testamento el apoyo más firme de la Nueva Ley. Y lo mismo aparece en los evangelios de San Mateo y San Juan y en las epístolas llamadas Católicas; y de manera clarísima en el testionio de aquel que se gloriaba de haber estudiado la ley de Moisés y los Profetas «a los pies de Gamaliel», para poder decir después con confianza, provisto de armas espirituales: «Las armas de nuestra milicia no son carnales, sino poderosas para con Dios»(10).
6. Que todos, pues, y muy especialmente los soldados de la sagrada milicia, comprendan, por los ejemplos de Cristo y de los apóstoles, en cuánta estimación deben ser tenidas las divinas Letras y con cuánto celo y con qué respeto les es preciso aproximarse a este arsenal. Porque aquellos que deben tratar, sea entre doctos o entre ignorantes, la doctrina de la verdad, en ninguna parte fuera de los libros santos encontrarán enseñanzas más numerosas y más completas sobre Dios, Bien sumo y perfectísimo, y sobre las obras que ponen de manifiesto su gloria y su amor. Acerca del Salvador del género humano, ningún texto tan fecundo y conmovedor como los que se encuentran en toda la Biblia, y por esto ha podido San Jerónimo afirmar con razón «que la ignorancia de las Escrituras es la ignorancia de Cristo»(11), en ellas se ve viva y palpitante su imagen, de la cual se difunde por manera maravillosa el alivio de los males, la exhortación a la virtud y la invitación al amor divino. Y en lo concerniente a la Iglesia, su institución, sus caracteres, su misión v sus dones se encuentran con tanta frecuencia en la Escritura y existen en su favor tantos y tan sólidos argumentos, que el mismo San Jerónimo ha podido decir con mucha razón: «Aquel que se apoya en los testimonios de los libros santos es el baluarte de la Iglesia»(12). Si lo que se busca es algo relacionado con la conformación y disciplina de la vida y de las costumbres, los hombres apostólicos encontrarán en la Biblia grandes y excelentes recursos: prescripciones llenas de santidad, exhortaciones sazonadas de suavidad y de fuerza, notables ejemplos de todas las virtudes, a lo cual se añade, en nombre y con palabras del mismo Dios, la importantísima promesa de las recompensas y el anuncio de las penas para toda la eternidad.
7. Esta virtud propia y singular de las Escrituras, procedente del soplo divino del Espíritu Santo, es la que da autoridad al orador sagrado, le presta libertad apostólica en el hablar y le suministra una elocuencia vigorosa y convincente. El que lleva en su discurso el espíritu y la fuerza de la palabra divina «no habla solamente con la lengua, sino con la virtud del Espíritu Santo y con grande abundancia»(13). Obran, pues, con torpeza e imprevisión los que hablan de la religión y anuncian los preceptos divinos sin invocar apenas otra autoridad que las de la ciencia y de la sabiduria humana, apoyándose más en sus propios argumentos que en los argumentos divinos. Su discurso, aunque brillante, será necesariamente lánguido y frío, como privado que está del fuego de la palabra de Dios(14), y está muy lejos de la virtud que posee el lenguaje divino: «Pues la palabra de Dios es viva y eficaz y más penetrante que una espada de dos filos y llega hasta la división del alma y del espíritu»(15). Aparte de esto, los mismos sabios deben convenir en que existe en las Sagradas Letras una elocuencia admirablemente variada, rica y más digna de los más grandes objetos; esto es lo que San Agustín ha comprendido y perfectamente probado(16) y lo que confirma la experiencia de los mejores oradores sagrados, que han reconocido, con agradecimiento a Dios, que deben su fama a la asidua familiaridad y piadosa meditación de la Biblia.
8. Conociendo a fondo todas estas riquezas en la teoría y en la práctica, los Santos Padres no cesaron de elogiar las Divinas Letras y los frutos que de ellas se pueden obtener. En más de un pasaje de sus obras llaman a los libros santos «riquísimo tesoro de las doctrinas celestiales»(17) y «eterno manantial de salvación»(18), y los comparan a fértiles praderas y a deliciosos jardines, en los que la grey del Señor encuentra una fuerza admirable y un maravilloso encanto(19). Aquí viene bien lo que decía San Jerónimo al clérigo Nepociano: «Lee a menudo las divinas Escrituras; más aún, no se te caiga nunca de las manos la sagrada lectura; aprende lo que debes enseñar…; la predicación del presbítero debe estar sazonada con la lección de las Escrituras»(20), y concuerda la opinión de San Gregorio Magno, que ha descrito como nadie los deberes de los pastores de la Iglesia: «Es necesario dice que los que se dedican al ministerio de la predicación no se aparten del estudio de los libros santos»(21).
9. Y aquí nos place recordar este aviso de San Agustín: «No será en lo exterior un verdadero predicador de la palabra de Dios aquel que no la escucha en el interior de sí mismo»(22); y este consejo de San Gregorio a los predicadores sagrados: «que antes de llevar la palabra divina a los otros se examinen a sí mísmos, no sea que, procurando las buenas acciones de los demás, se descuiden de sí propios»(23). Mas esto había ya sido advertido, siguiendo el ejemplo y la enseñanza de Cristo, que empezó a obrar y a enseñar(24), por la voz del Apóstol al dirigirse no solamente a Timoteo, sino a todo el orden de los eclesiásticos con este precepto: «Vela con atención sobre ti y sobre la doctrina, insiste en estas cosas; pues obrando así, te salvarás a ti mismo y salvarás a tus oyentes»(25). Y ciertamente, para la propia y ajena santificación, se encuentran preciosas ayudas en los libros santos, y abundan sobre todo en los Salmos; pero sólo para aquellos que presten a la divina palabra no solamente un espíritu dócil y atento, sino además una perfecta y piadosa disposición de la voluntad. Porque la condición de estos libros no es común, sino que, por haber sido dictados por el mismo Espíritu Santo, contienen verdades muy importantes, ocultas y difíciles de interpretar en muchos puntos; y por ello, para comprenderlos y explicarlos, tenemos siempre necesidad de la presencia de este mismo Espíritu(26), esto es, de su luz y de su gracia, que, como frecuentemente nos advierte la autoridad del divino salmista, deben ser imploradas por medio de la oración humilde y conservadas por la santidad de vida.
10. Y en esto aparece de un modo esplendoroso la previsión de la Iglesia, la cual, «para que este celestial tesoro de los libros sagrados, que el Espíritu Santo entregó a los hombres con soberana liberalidad, no fuera desatendido»(27), ha proveído en todo tiempo con las mejores instituciones y preceptos. Y así estableció no solamente que una gran parte de ellos fuera leída y meditada por todos sus ministros en el oficio diario de la sagrada salmodia, sino que fueran explicados e interpretados por hombres doctos en las catedrales, en los monasterios y en los conventos de regulares donde pudiera prosperar su estudio: y ordenó rigurosamente que los domingos y fiestas solemnes sean alimentados los fieles con las palabras saludables del Evangelio(28). Asimismo, a la prudencia y vigilancia de la Iglesia se debe aquella veneración a la Sagrada Escritura, en todo tiempo floreciente y fecunda en frutos de salvación.
11. Para confirmar nuestros argumentos y nuestras exhortaciones, queremos recordar que todos los hombres notables por la santidad de su vida y por su conocimiento de las cosas divinas, desde los principios de la religión cristiana, han cultivado siempre con asiduidad el estudio de las Sagradas Letras. Vemos que los discípulos más inmediatos de los apóstoles, entre los que citaremos a Clemente de Roma, a Ignacio de Antioquía, a Policarpo, a todos los apologistas, especialmente Justino e Ireneo, para sus cartas y sus libros, destinados ora a la defensa, ora a la propagación de los dogmas divinos, sacaron de las divinas Letras toda su fe, su fuerza y su piedad. En las escuelas catequéticas y teológicas que se fundaron en la jurisdicción de muchas sedes episcopales, y entre las que figuran como más célebres las de Alejandría y Antioquía, la enseñanza que en ellas se daba no consistía, por decirlo así, más que en la lectura, explicación y defensa de la palabra de Dios escrita. De estas aulas salieron la mayor parte de los Santos Padres y escritores, cuyos profundos estudios y notables obras se sucedieron durante tres siglos con tan grande abundancia, que este período fue llamado con razón la Edad de Oro de la exégesis bíblica.
12. Entre los orientales, el primer puesto corresponde a Orígenes, hombre admirable por la rápida concepción de su entendimiento y por la constancia en sus trabajos, en cuyas numerosos escritos y en la inmensa obra de sus Hexaplas puede decirse que se han inspirado casi todos sus sucesores. Entre los muchos que han extendido los límites de esta ciencia es preciso enumerar como los más eminentes: en Alejandría, a Clemente y a Cirilo; en Palestina, a Eusebio y al segundo Cirilo; en Capadocia, a Basilio el Grande y a los dos Gregorios, el Nacianceno y el de Nisa; y en Antioquía, a Juan Crisóstomo, en quien a una notable erudición se unió la más elevada elocuencia.
13. La Iglesia de Occidente no ostenta menores títulos de gloria. Entre los numerosos doctores que se han distinguido en ella, ilustres son los nombres de Tertuliano y de Cipriano, de Hilario y de Ambrosio, de León y Gregorio Magnos; pero sobre todo los de Agustín y de Jerónimo: agudísimo el uno para descubrir el sentido de la palabra de Dios y riquísimo en sacar de ella partido para defender la verdad católica; el otro, por su conocimiento extraordinario de la Biblia y por sus magníficos trabajos sobre los libros santos, ha sido honrado por la Iglesia con el título de Doctor Máximo.
14. Desde esta época hasta el siglo XI, aunque esta clase de estudios no fueron tan ardientes ni tan fructuosamente cultivados como en las épocas precedentes, florecieron bastante, gracias, sobre todo, al celo de los sacerdotes. Estos cuidaron de recoger las obras más provechosas que sus predecesores habían escrito y de propagarlas después de haberlas asimilado y aumentado de su propia cosecha, como hicieron sobre todo Isidoro de Sevilla, Beda y Alcuino; o bien de glosar los manuscritos sagrados, como Valfrido, Estrabón y Anselmo de Luán; o de proveer con procedimientos nuevos a la conservación de los mismos, como hicieron Pedro Damián y Lanfranco.
15. En el siglo XII, muchos emprendieron con gran éxito la explicación alegórica de la Sagrada Escritura; en este género aventajó fácilmente a los demás San Bernardo, cuyos sermones no tienen otro sabor que el de las divinas Letras.
16. Pero también se realizaron nuevos y abundantes progresos gracias al método de los escolásticos. Estos, aunque se dedicaron a investigar la verdadera lección de la versión latina, como lo demuestran los correctorios bíblicos que crearon, pusieron todavía más celo y más cuidado en la interpretación y en la explicación de los libros santos. Tan sabia y claramente como nunca hasta entonces distinguieron los diversos sentidos de las palabras sagradas; fijaron el valor de cada una en materia teológica; anotaron los diferentes capítulos y el argumento de cada una de las partes; investigaron las intenciones de los autores y explicaron la relación y conexión de las distintas frases entre sí; con lo cual todo el mundo ve cuánta luz ha sido llevada a puntos oscuros. Además, tanto sus libros de teología como sus comentarios a la Sagrada Escritura manifiestan la abundancia de doctrina que de ella sacaron. A este título, Santo Tomás se llevó entre todos ellos la palma.
17. Pero desde que nuestro predecesor Clemente V mandó instituir en el Ateneo de Roma y en las más célebres universidades cátedras de literatura orientales, nuestros hombres empezaron a estudiar con más vigor sobre el texto original de la Biblia y sobre la versión latina. Renacida más tarde la cultura griega, y más aún por la invención de la imprenta, el cultivo de la Sagrada Escritura se extendió de un modo extraordinario. Es realmente asombroso en cuán breve espacio de tiempo los ejemplares de los sagrados libros, sobre todo de la Vulgata, multiplicados por la imprenta, llenaron el mundo; de tal modo eran venerados y estimados los divinos libros en la Iglesia.
18. Ni debe omitirse el recuerdo de aquel gran número de hombres doctos, pertenecientes sobre todo a las órdenes religiosas, que desde el concilio de Viena hasta el de Trento trabajaron por la prosperidad de los estudios bíblicos; empleando nuevos métodos y aportando la cosecha de su vasta erudición y de su talento, no sólo acrecentaron las riquezas acumuladas por sus predecesores, sino que prepararon en cierto modo el camino para la gloria del siguiente siglo, en el que, a partir del concilio de Trento, pareció hasta cierto punto haber renacido la época gloriosa de los Padres de la Iglesia. Nadie, en efecto, ignora, y nos agrada recordar, que nuestros predecesores, desde Pío IV a Clemente VIII, prepararon las notables ediciones de las versiones antiguas Vulgata y Alejandrina; que, publicadas después por orden y bajo la autoridad de Sixto V y del mismo Clemente, son hoy día de uso general. Sabido es que en esta época fueron editadas, al mismo tiempo que otras versiones de la Biblia, las poliglotas de Amberes y de París, aptísimas para la investigación del sentido exacto, y que no hay un solo libro de los dos Testamentos que no encontrara entonces más de un intérprete; ni existe cuestión alguna relacionada con este asunto que no ejecitara con fruto el talento de muchos sabios, entre los que cierto número, sobre todo los que estudiaron más a los Santos Padres, adquirieron notable renombre. Ni a partir de esta época ha faltado el celo a nuestros exegetas, ya que hombres distinguidos han merecido bien de estos estudios, y contra los ataques del racionalismo, sacados de la filología y de las ciencias afines, han defendido la Sagrada Escritura sirviéndose de argumentos del mismo género.
19. Todos los que sin prevenciones examinen esta rápida reseña nos concederán ciertamente que la Iglesia no ha perdonado recurso alguno para hacer llegar hasta sus hijos las fuentes saludables de la Divina Escritura; que siempre ha conservado este auxilio, para cuya guarda ha sido propuesta por Dios, y que lo ha reforzado con toda clase de estudios, de tal modo que no ha tenido jamás, ni tiene ahora, necesidad de estímulos por parte de los extraños.
20. El plan que hemos propuesto exige que comuniquemos con vosotros, venerables hermanos, lo que estimamos oportuno para la buena ordenación de estos estudios. Pero importa ante todo examinar qué clase de enemigos tenemos enfrente y en qué procedimientos o en qué armas tienen puesta su confianza.
21. Como antiguamente hubo que habérselas con los que, apoyándose en su juicio particular y recurriendo a las divinas tradiciones y al magisterio de la Iglesia, afirmaban que la Escritura era la única fuente de revelación y el juez supremo de la fe; así ahora nuestros principales adversarios son los racionalistas, que, hijos y herederos, por decirlo así, de aquéllos y fundándose igualmente en su propia opinión, rechazan abiertamente aun aquellos restos de fe cristiana recibidos de sus padres. Ellos niegan, en efecto, toda divina revelación o inspiración; niegan la Sagrada Escritura; proclaman que todas estas cosas no son sino invenciones y artificios de los hombres; miran a los libros santos, no como el relato fiel de acontecimientos reales, sino como fábulas ineptas y falsas historias. A sus ojos no han existido profecías, sino predicciones forjadas después de haber ocurrido los hechos, o presentimientos explicables por causas naturales; para ellos no existen milagros verdaderamente dignos de este nombre, manifestaciones de la omnipotencia divina, sino hechos asombrosos, en ningún modo superiores a las fuerzas de la naturaleza, o bien ilusiones y mitos; los evangelios y los escritos de los apóstoles han de ser atribuidos a otros autores.
22. Presentan este cúmulo de errores, con los que creen poder anonadar a la sacrosanta verdad de los libros divinos, como veredictos inapelables de una nueva ciencia libre; pero que tienen ellos mismos por tan inciertos, que con frecuencia varían y se contradicen en unas mismas cosas. Y mientras juzgan y hablan de una manera tan impía respecto de Dios, de Cristo, del Evangelio y del resto de las Escrituras, no faltan entre ellos quienes quisieran ser considerados como teólogos, como cristianos y como evangélicos, y que bajo un nombre honrosísimo ocultan la temeridad de un espíritu insolente. A estos tales se juntan, participando de sus ideas y ayudándolos, otros muchos de otras disciplinas, a quienes la misma intolerancia de las cosas reveladas impulsa del mismo modo a atacar a la Biblia. Nos no sabríamos deplorar demasiado la extensión y la violencia que de día en día adquieren estos ataques. Se dirigen contra hombres instruidos y serios que pueden defenderse sin gran dificultad; pero se ceban principalmente en la multitud de los ignorantes, como enemigos encarnizados de manera sistemática. Por medio de libros, de opúsculos y de periódicos propagan el veneno mortífero; lo insinúan en reuniones y discursos; todo lo han invadido, y poseen numerosas escuelas arrancadas a la tutela de la Iglesia, en las que depravan miserablemente, hasta por medio de sátiras y burlas chocarreras, las inteligencias aún tiernas y crédulas de los jóvenes, excitando en ellos el desprecio hacia la Sagrada Escritura.
23. En todo esto hay, venerables hermanos, hartos motivos para excitar y animar el celo común de los pastores, de tal modo que a esa ciencia nueva, a esa falsa ciencia(29), se oponga la doctrina antigua y verdadera que la Iglesia ha recibido de Cristo por medio de los apóstoles y surjan hábiles defensores de la Sagrada Escritura para este duro combate.
24. Nuestro primer cuidado, por lo tanto, debe ser éste: que en los seminarios y en las universidades se enseñen las Divinas Letras punto por punto, como lo piden la misma importancia de esta ciencia y las necesidades de la época actual. Por esta razón, nada debéis cuidar tanto como la prudente elección de los profesores; para este cometido importa efectivamente nombrar, no a personas vulgares, sino a los que se recomienden por un grande amor y una larga práctica de la Biblia, por una verdadera cultura científica y, en una palabra, por hallarse a la altura de su misión. No exige menos cuidado la tarea de procurar quienes después ocupen el puesto de éstos. Será conveniente que, allí donde haya facilidad para ello, se escoja, entre los alumnos mejores que hayan cursado de manera satisfactoria los estudios teológicos, algunos que se dediquen por completo a los libros divinos con la posibilidad de cursar en algún tiempo estudios superiores. Cuando los profesores hayan sido elegidos y formados de este modo, ya pueden emprender con confianza la tarea que se les encomienda; y para que mejor la lleven y obtengan los resultados que son de esperar, queremos darles algunas instrucciones más detalladas.
25. Al comienzo de los estudios deben atender al grado de inteligencia de los discípulos, para formar y cultivar en ellos un criterio, apto al mismo tiempo para defender los libros divinos y para captar su sentido. Tal es el objeto del tratado de la introducción bíblica, que suministra al discípulo recursos; para demostrar la integridad y autoridad de la Biblia, para buscar y descubrir su verdadero sentido y para atacar de frente las interpretaciones sofísticas, extirpándolas en su raíz. Apenas hay necesidad de indicar cuán importante es discutir estos puntos desde el principio, con orden, científicamente y recurriendo a la teología; pues todo el restante estudio de la Escritura se apoya en estas bases y se ilumina con estos resplandores.
26. El profesor debe aplicarse con gran cuidado a dar a conocer a fondo la parte más fecunda de esta ciencia, que concierne a la interpretación, y para que sus oyentes sepan de qué modo podrán utilizar las riquezas de la palabra divina en beneficio de la religión y de la piedad. Comprendemos ciertamente que ni la extensión de la materia ni el tiempo de que se dispone permiten recorrer en las aulas todas las Escrituras. Pero, toda vez que es necesario poseer un método seguro para dirigir con fruto su interpretación, un maestro prudente deberá evitar al mismo tiempo el defecto de los que hacen gustar deprisa algo de todos los libros, y el defecto de aquellos otros que se detienen en una parte determinada más de la cuenta. Si en la mayor parte de las escuelas no se puede conseguir, como en las academias superiores, que este o aquel libro sea explicado de una manera continua y extensa, cuando menos se ha de procurar que los pasajes escogidos para la interpretación sean estudiados de un modo suficiente y completo; los discípulos, atraídos e instruidos por este módulo de explicación, podrán luego releer y gustar el resto de la Biblia durante toda su vida.
27. El profesor, fiel a las prescripciones de aquellos que nos precedieron, deberá emplear para esto la versión Vulgata, la cual el concilio Tridentino decretó que había de ser tenida «como auténtica en las lecturas públicas, en las discusiones, en las predicaciones y en las explicaciones»(30), y la recomienda también la práctica cotidiana de la Iglesia. No queremos decir, sin embargo, que no se hayan de tener en cuenta las demás versiones que alabó y empleó la antigüedad cristiana, y sobre todo los textos primitivos. Pues si en lo que se refiere a los principales puntos el pensamiento del hebreo y del griego está suficientemente claro en estas palabras de la Vulgata, no obstante, si algún pasaje pesulta ambiguo o menos claro en ella, «el recurso a la lengua precedente» será, siguiendo el consejo de San Agustín, utilísimo(31). Claro es que será preciso proceder con mucha circunspección en esta tarea; pues el oficio «del comentador es exponer, no lo que él mismo piensa, sino lo que pensaba el autor cuyo texto explica»(32).
28. Después de establecida por todos los medios, cuando sea preciso, la verdadera lección, habrá llegado el momento de escudriñar y explicar su sentido. Nuestro primer consejo acerca de este punto es que observen las normas que están en uso respecto de la interpretación, con tanto más cuidado cuanto el ataque de nuestros adversarios es sobre este particular más vivo. Por eso, al cuidado de valorar las palabras en sí mismas, la significación de su contexto, los lugares paralelos, etc., deben unirse también la ilustración de la erudición conveniente; con cautela, sin embargo, para no emplear más tiempo ni más esfuerzo en estas cuestiones que en el estudio de los libros santos y para evitar que un conocimiento demasiado extenso y profundo de tales cosas lleve al espíritu de la juventud más turbación que ayuda.
29. De aquí se pasará con seguridad al uso de la Sagrada Escritura en materia teológica. Conviene hacer notar a este respecto que a las otras causas de dificultad que se presentan para entender cualquier libro de autores antiguos se añaden algunas particularidades en los libros sagrados. En sus palabras, por obra del Espíritu Santo, se oculta gran número de verdades que sobrepujan en mucho la fuerza y la penetración de la razón humana, como son los divinos misterios y otras muchas cosas que con ellos se relacionan: su sentido es a veces más amplio y más recóndito de lo que parece expresar la letra e indican las reglas de la hermenéutica; además, su sentido literal oculta en sí mismo otros significados que sirven unas veces para ilustrar los dogmas y otras para inculcar preceptos de vida; por lo cual no puede negarse que los libros sagrados se hallan envueltos en cierta oscuridad religiosa, de manera que nadie puede sin guía penetrar en ellos(33). Dios lo ha querido así (ésta es la opinión de los Santos Padres) para que los hombres los estudien con más atención y cuidado, para que las verdades más penosamente adquiridas penetren más profundamente en su corazón y para que ellos comprendan sobre todo que Dios ha dado a la Iglesia las Escrituras a fin de que la tengan por guía y maestra en la lectura e interpretación de sus palabras. Ya San Ireneo enseñó(34) que, allí donde Dios ha puesto sus carismas, debe buscarse la verdad, y que aquellos en quienes reside la sucesión de los apóstoles explican las Escrituras sin ningún peligro de error: ésta es su doctrina y la doctrina de los demás Santos Padres, que adoptó el concilio Vaticano cuando, renovando el decreto tridentino sobre la interpretación de la palabra divina escrita, declaró ser la mente de éste que «en las cosas de fe y costumbres que se refieren a la edificación de la doctrina cristiana ha de ser tenido por verdadero sentido de la Escritura Sagrada aquel que tuvo y tiene la santa madre Iglesia, a la cual corresponde juzgar del verdadero sentido e interpretación de las Santas Escrituras; y, por lo tanto, que a nadie es lícito interpretar dicha Sagrada Escritura contra tal sentido o contra el consentimiento unánime de los Padres»(35).
30. Por esta ley, llena de prudencia, la Iglesia no detiene ni coarta las investigaciones de la ciencia bíblica, sino más bien las mantiene al ábrigo de todo error y contribuye poderosamente a su verdadero progreso. Queda abierto al doctor un vasto campo en el que con paso seguro pueda ejercitar su celo de intérprete de manera notable y con provecho para la Iglesia. Porque en aquellos pasajes de la Sagrada Escritura que todavía esperan una explicación cierta y bien definida, puede acontecer, por benévolo designio de la providencia de Dios, que con este estudio preparatorio llegue a madurar; y, en los puntos ya definidos, el doctor privado puede también desempeñar un papel útil si los explica con más claridad a la muchedumbre de los fieles o más científicamente a los doctos, o si los defiende con energía contra los adversarios de la fe. El intérprete católico debe, pues, mirar como un deber importantísimo y sagrado explicar en el sentido declarado los textos de la Escritura cuya significación haya sido declarada auténticamente, sea por los autores sagrados, a quienes les ha guiado la inspiración del Espíritu Santo como sucede en muchos pasajes del Nuevo Testarnento, sea por la Iglesia, asistida también por el mismo Espíritu Santo «en juicio solemne o por su magisterio universal y ordinario»(36), y llevar al convencimiento de que esta interpretación es la única que, conforme a las leyes de una sana hermenéutica, puede aceptarse. En los demás puntos deberá seguir la analogía de la fe y tomar como norma suprema la doctrina católica tal como está decidida por la autoridad de la Iglesía; porque, siendo el mismo Dios el autor de los libros santos y de la doctrina que la Iglesia tiene en depósito, no puede suceder que proceda de una legítima interpretación de aquéllos un sentido que discrepe en alguna manera de ésta. De donde resulta que se debe rechazar como insensata y falsa toda explicación que ponga a los autores sagrados en contradicción entre sí o que sea opuesta a la enseñanza de la Iglesia.
31. El maestro de Sagrada Escritura debe también merecer este elogio: que posee a fondo toda la teología y que conoce perfectamente los comentarios de los Santos Padres, de los doctores y de los mejores intérpretes. Tal es la doctrina de San Jerónimo(37) y de San Agustín, quien se queja, con razón, en estos términos: «Si toda ciencia, por poco importante que sea y fácil de adquirir, pide ser enseñada por un doctor o maestro, ¡qué cosa más orgullosamente temeraria que no querer aprender de sus intérpretes los libros de los divinos misterios!»(38). Igualmente pensaron otros Santos Padres y lo confirmaron con su ejemplo «al procurar la inteligencia de las divinas Escrituras no por su propia presunción, sino según los escritos y la autoridad de sus predecesores, que sabían haber recibido, por sucesión de los apóstoles, las reglas para su interpretación»(39).
32. La autoridad de los Santos Padres, que después de los apóstoles «hicieron crecer a la Iglesia con sus esfuerzos de jardineros, constructores, pastores y nutricios»(40), es suprema cuando explican unánimemente un texto bíblico como perteneciente a la doctrina de la fe y de las costumbres; pues de su conformidad resulta claramente, según la doctrina católica, que dicha explicación ha sido recibida por tradición de los apóstoles. La opinión de estos mismos Padres es también muy estimable cuando tratan de estas cosas como doctores privados; pues no solamente su ciencia de la doctrina revelada y su conocimiento de muchas cosas de gran utilidad para interpretar los libros apostólicos los recomiendan, sino que Dios mismo ha prodigado los auxilios abundantes de sus luces a estos hombres notabilísimos por la santidad de su vida y por su celo por la verdad. Que el intérprete sepa, por lo tanto, que debe seguir sus pasos con respeto y aprovecharse de sus trabajos mediante una elección inteligente.
33. No es preciso, sin embargo, creer que tiene cerrado el camino para no ir más lejos en sus pesquisas y en sus explicaciones cuando un motivo razonable exista para ello, con tal que siga religiosamente el sabio precepto dado por San Agustín: «No apartarse en nada del sentido literal y obvio, como no tenga alguna razón que le impida ajustarse a él o que haga necesario abandonarlo»(41); regla que debe observarse con tanta más firmeza cuanto existe un mayor peligro de engañarse en medio de tanto deseo de novedades y de tal libertad de opiniones. Procure asimismo no descuidar lo que los Santos Padres entendieron en sentido alegórico o parecido, sobre todo cuando este significado derive del sentido literal y se apoye en gran número de autoridades. La Iglesia ha recibido de los apóstoles este método de interpretación y lo ha aprobado con su ejemplo, como se ve en la liturgia; no que los Santos Padres hayan pretendido demostrar con ello propiamente los dogmas de la fe, sino que sabían por experiencia que este método era bueno para alimentar la virtud y la piedad.
34. La autoridad de los demás intérpretes católicos es, en verdad, menor; pero, toda vez que los estudios bíblicos han hecho en la Iglesia continuos progresos, es preciso dar el honor que les corresponde a los comentarios de estos doctores, de los cuales se pueden tomar muchos argumentos para rechazar los ataques y esclarecer los puntos difíciles. Pero lo que no conviene en modo alguno es que, ignorando o despreciando las excelentes obras que los nuestros nos dejaron en gran número, prefiera el intérprete los libros de los heterodoxos y busque en ellos, con gran peligro de la sana doctrina y muy frecuentemente con detrimento de la fe, la explicación de pasajes en los que los católicos vienen ejercitando su talento y multiplicando sus esfuerzos desde hace mucho tiempo y con éxito. Pues aunque, en efecto, los estudios de los heterodoxos, prudentemente utilizados, puedan a veces ayudar al intérprete católico, importa, no obstante, a éste recordar que, según numerosos testimonios de nuestros mayores(42), el sentido incorrupto de las Sagradas Letras no se encuentra fuera de la Iglesia y no puede ser enseñado por los que, privados de la verdad de la fe, no llegan hasta la médula de las Escrituras, sino que únicamente roen su corteza(43).
35. Es muy de desear y necesario que el uso de la divina Escritura influya en toda la teología y sea como su alma; tal ha sido en todos los tiempos la doctrina y la práctica de todos los Padres y de los teólogos más notables. Ellos se esforzaban por establecer y afirmar sobre los libros santos las verdades que son objeto de la fe y las que de éste se derivan; y de los libros sagrados y de la tradición divina se sirvieron para refutar las novedades inventadas por los herejes y para encontrar la razón de ser, la explicación y la relación que existe entre los dogmas católicos. Nada tiene esto de sorprendente para el que reflexione sobre el lugar tan importante que corresponde a los libros divinos entre las fuentes de la revelación, hasta el punto de que sin su estudio y uso diario no podría la teología ser tratada con el honor y dignidad que le son propios. Porque, aunque deban los jóvenes ejercitarse en las universidades y seminarios de manera que adquieran la inteligencia y la ciencia de los dogmas deduciendo de los artículos de la fe unas verdades de otras, según las reglas de una filosofía experimentada y sólida, no obstante, el teólogo profundo e instruido no puede descuidar la demostración de los dogmas basada en la autoridad de la Biblia. «Porque la teología no toma sus argumentos de las demás ciencias, sino inmediatamente de Dios por la revelación. Por lo tanto, nada recibe de esas ciencias como si le fueran superiores, sino que las emplea como a sus inferiores y seguidoras». Este método de enseñanza de la ciencia sagrada está indicado y recomendado por el príncipe de los teólogos, Santo Tomás de Aquino(44), el cual, además, como perfecto conocedor de este peculiar carácter de la teología cristiana, enseña de qué manera el teólogo puede defender estos principios si alguien los ataca: «Argumentando, si el adversario concede algunas de las verdades que tenemos por revelación; y en este sentido disputamos contra los herejes aduciendo las autoridades de la Escritura o empleando un artículo de la fe contra los que niegan otro. Por el contrario, si el adversario no cree en nada revelado, no nos queda recurso para probar los artículos de la fe con razones, sino sólo para deshacer las que él proponga contra la fe»(45).
36. Hay que poner, por lo tanto, especial cuidado en que los jóvenes acometan los estudios bíblicos convenientemente instruidos y pertrechados, para que no defrauden nuestras legítimas esperanzas ni, lo que sería más grave, sucumban incautamente ante el error, engañados por las falacias de los racionalistas y por el fantasma de una erudición superficial. Estarán perfectamente preparados si, con arreglo al método que Nos mismo les hemos enseñado y prescrito, cultivan religiosamente y con profundidad el estudio de la filosofia y de la teología bajo la dirección del mismo Santo Tomás. De este modo procederán con paso firme y harán grandes progresos en las ciencias bíblicas como en la parte de la teología llamada positiva.
37. Haber demostrado, explicado y aclarado la verdad de la doctrina católica mediante la interpretación legítima y diligente de los libros sagrados es mucho ciertamente; resta, sin embargo, otro punto que fijar y tan importante como laborioso: el de afirmar con la mayor solidez la autoridad íntegra de los mismos. Lo cual no podrá conseguirse plena y enteramente sino por el magisterio vivo y propio de la Iglesia, que «por sí misma y a causa de su admirable difusión, de su eminente santidad, de su fecundidad inagotable en toda suerte de bienes, de su unidad católica, de su estabilidad invencible, es un grande y perpetuo motivo de credibilidad y una prueba irrefutable de su divina misión»(46). Pero toda vez que este divino e infalible magisterio de la Iglesia descansa también en la autoridad de la Sagrada Escritura, es preciso afirmar y reivindicar la fe, cuando menos, en la Biblia, por cuyos libros, como testimonios fidedignos de la antigüedad, serán puestas de manifiesto y debidamente establecidas la divinidad y la misión de Jesucristo, la institución de la jerarquía de la Iglesia y la primacía conferida a Pedro y a sus sucesores.
38. A este fin será muy conveniente que se multipliquen los sacerdotes preparados, dispuestos a combatir en este campo por la fe y a rechazar los ataques del enemigo, revestidos de la armadura de Dios, que recomienda el Apóstol(47), y entrenados en las nuevas armas y en la nueva estrategia de sus adversarios. Es lo que hermosamente incluye San Juan Crisóstomo entre los deberes del sacerdote: «Es preciso dice emplear un gran celo a fin de que la palabra de Dios habite con abundancia en nosotros(48); no debemos, pues, estar preparados para un solo género de combate, porque no todos usan las mismas armas ni tratan de acometernos de igual manera. Es, por lo tanto, necesario que quien ha de medirse con todos, conozca las armas y los procedimientos de todos y sepa ser a la vez arquero y hondero, tribuno y jefe de cohorte, general y soldado, infante y caballero, apto para luchar en el mar y para derribar murallas; porque, si no conoce todos los medios de combatir, el diablo sabe, introduciendo a sus raptores por un solo punto en el caso de que uno solo quedare sin defensa, arrebatar las ovejas»(49). Más arriba hemos mencionado las astucias de los enemigos y los múltiples medios que emplean en el ataque. Indiquemos ahora los procedimientos que deben utilizarse para la defensa.
39. Uno de ellos es, en primer término, el estudio de las antiguas lenguas orientales y, al mismo tiempo, el de la ciencia que se llama crítica. Siendo estos dos conocimientos en el día de hoy muy apreciados y estimados, el clero que los posea con más o menos profundidad, según el país en que se encuentre y los hombres con quienes esté en relación, podrá mejor mantener su dignidad y cumplir con los deberes de su cargo, ya que debe hacerse todo para todos(50) y estar siempre pronto a satisfacer a todo aguel que le pida la razón de su esperanzas(51). Es, pues, necesario a los profesores de Sagrada Escritura, y conviene a los teólogos, conocer las lenguas en las que los libros canónicos fueron originariamente escritos por los autores sagrados; sería también excelente que los seminaristas cultivasen dichas lenguas, sobre todo aquellos que aspiran a los grados académicos en teología. Debe también procurarse que en todas las academias, como ya se ha hecho laudablemente en muchas, se establezcan cátedras donde se enseñen también las demás lenguas antiguas, sobre todo las semíticas, y las materias relacionadas con ellas, con vistas, sobre todo, a los jóvenes que se preparan para profesores de Sagradas Letras.
40. Importa también, por la misma razón, que los susodichos profesores de Sagrada Escritura se instruyan y ejerciten más en la ciencia de la verdadera crítica; porque, desgraciadamente, y con gran daño para la religión, se ha introducido un sistema que se adorna con el nombre respetable de «alta crítica», y según el cual el origen, la integridad y la autoridad de todo libro deben ser establecidos solamente atendiendo a lo que ellos llaman razones internas. Por el contrario, es evidente que, cuando se trata de una cuestión histórica, como es el origen y conservación de una obra cualquiera, los testimonios históricos tienen más valor que todos los demás y deben ser buscados y examinados con el máximo interés; las razones internas, por el contrario, la mayoría de las veces no merecen la pena de ser invocadas sino, a lo más, como confirmación. De otro modo, surgirán graves inconvenientes: los enemigos de la religión atacarán la autenticidad de los libros sagrados con más confianza de abrir brecha; este género de «alta crítica» que preconizan conducirá en definitiva a que cada uno en la interpretación se atenga a sus gustos y a sus prejuicios; de este modo, la luz que se busca en las Escrituras no se hará, y ninguna ventaja reportará la ciencia; antes bien se pondrá de manifiesto esa nota característica del error que consiste en la diversidad y disentimiento de las opiniones, como lo están demostrando los corifeos de esta nueva ciencia; y como la mayor parte están imbuidos en las máximas de una vana filosofía y del racionalismo, no temerán descartar de los sagrados libros las profecías, los milagros y todos los demás hechos que traspasen el orden natural.
41. Hay que luchar en segundo lugar contra aquellos que, abusando de sus conocimientos de las ciencias físicas, siguen paso a paso a los autores sagrados para echarles en cara su ignorancia en estas cosas y desacreditar así las mismas Escrituras. Como quiera que estos ataques se fundan en cosas que entran en los sentidos, son peligrosísimos cuando se esparcen en la multitud, sobre todo entre la juventud dedicada a las letras; la cual, una vez que haya perdido sobre algún punto el respeto a la revelación divina, no tardará en abandonar la fe en todo lo demás. Porque es demasiado evidente que así como las ciencias naturales, con tal de que sean convenientemente enseñadas, son aptas para manifestar la gloria del Artífice supremo, impresa en las criaturas, de igual modo son capaces de arrancar del alma los principios de una sana filosofía y de corromper las costumbres cuando se infiltran con dañadas intenciones en las jóvenes inteligencias. Por eso, el conocimiento de las cosas naturales será una ayuda eficaz para el que enseña la Sagrada Escritura; gracias a él podrá más fácilmente descubrir y refutar los sofistas de esta clase dirigidos contra los libros sagrados.
42. No habrá ningún desacuerdo real entre el teólogo y el físico mientras ambos se mantengan en sus límites, cuidando, según la frase de San Agustín, «de no afirmar nada al azar y de no dar por conocido lo desconocido»(52). Sobre cómo ha de portarse el teólogo si, a pesar de esto, surgiere discrepancia, hay una regla sumariamente indicada por el mismo Doctor: «Todo lo que en materia de sucesos naturales pueden demostrarnos con razones verdaderas, probémosles que no es contrario a nuestras Escrituras; mas lo que saquen de sus libros contrario a nuestras Sagrada Letras, es decir, a la fe católica, demostrémosles, en lo posible o, por lo menos, creamos firmemente que es falsísimo»(53). Para penetrarnos bien de la justicia de esta regla, se ha de considerar en primer lugar que los escritores sagrados, o mejor el Espíritu Santo, que hablaba por ellos, no quisieron enseñar a los hombres estas cosas (la íntima naturaleza o constitución de las cosas que se ven), puesto que en nada les habían de servir para su salvación(54), y así, más que intentar en sentido propio la exploración de la naturaleza, describen y tratan a veces las mismas cosas, o en sentido figurado o según la manera de hablar en aquellos tiempos, que aún hoy vige para muchas cosas en la vida cotidiana hasta entre los hombres más cultos. Y como en la manera vulgar de expresarnos suele ante todo destacar lo que cae bajo los sentidos, de igual modo el escritor sagrado y ya lo advirtió el Doctor Angélico «se guía por lo que aparece sensiblemente»(55), que es lo que el mismo Dios, al hablar a los hombres, quiso hacer a la manera humana para ser entendido por ellos.
43. Pero de que sea preciso defender vigorosamente la Santa Escritura no se sigue que sea necesario mantener igualmente todas las opiniones que cada uno de los Padres o de los intérpretes posteriores han sostenido al explicar estas mismas Escrituras; los cuales, al exponer los pasajes que tratan de cosas físicas, tal vez no han juzgado siempre según la verdad, hasta el punto de emitir ciertos principios que hoy no pueden ser aprobados. Por lo cual es preciso descubrir con cuidado en sus explicaciones aquello que dan como concerniente a la fe o como ligado con ella y aquello que afirman con consentimiento unánime; porque, «en las cosas que no son de necesidad de fe, los santos han podido tener pareceres diferentes, lo mismo que nosotros», según dice Santo Tomás(56). El cual, en otro pasaje, dice con la mayor prudencia: «Por lo que concierne a las opiniones que los filósofos han profesado comúnmente y que no son contrarias a nuestra fe, me parece más seguro no afirmarlas como dogmas, aunque algunas veces se introduzcan bajo el nombre de filósofos, ni rechazarlas como contrarias a la fe, para no dar a los sabios de este mundo ocasión de despreciar nuestra doctrina»(57). Pues, aunque el intérprete debe demostrar que las verdades que los estudiosos de las ciencias físicas dan como ciertas y apoyadas en firmes argumentos no contradicen a la Escritura bien explicada, no debe olvidar, sin embargo, que algunas de estas verdades, dadas también como ciertas, han sido luego puestas en duda y rechazadas. Que si los escritores que tratan de los hechos físicos, traspasados los linderos de su ciencia, invaden con opiniones nocivas el campo de la filosofía, el intérprete teólogo deje a cargo de los filósofos el cuidado de refutarlas.
44. Esto mismo habrá de aplicarse después a las ciencias similares, especialmente a la historia. Es de sentir, en efecto, que muchos hombres que estudian a fondo los monumentos de la antigüedad, las costumbres y las instituciones de los pueblos, investigan y publican con grandes esfuerzos los correspondientes documentos, pero frecuentemente con objeto de encontrar errores en los libros santos para debilitar y quebrantar completamente su autoridad. Algunos obran así con demasiada hostilidad y sin bastante equilibrio, ya que se fian de los libros profanos y de los documentos del pasado como si no pudiese existir ninguna sospecha de error respecto a ellos, mientras niegan, por lo menos, igual fe a los libros de la Escritura ante la más leve sospecha de error y sin pararse siquiera a discutirla.
45. Puede ocurrir que en la transcripción de los códices se les escaparan a los copistas algunas erratas; lo cual debe estudiarse con cuidado y no admitirse fácilmente sino en los lugares que con todo rigor haya sido demostrado; también puede suceder que el sentido verdadero de algunas frases continúe dudoso; para determinarlo, las reglas de la interpretación serán de gran auxilio; pero lo que de ninguna manera puede hacerse es limitar la inspiración a solas algunas partes de las Escrituras o conceder que el autor sagrado haya cometido error. Ni se debe tolerar el proceder de los que tratan de evadir estas dificultades concediendo que la divina inspiración se limita a las cosas de fe y costumbres y nada más, porque piensan equivocadamente que, cuando se trata de la verdad de las sentencias, no es preciso buscar principalmente lo que ha dicho Dios, sino examinar más bien el fin para el cual lo ha dicho. En efecto, los libros que la Iglesia ha recibido como sagrados y canónicos, todos e íntegramente, en todas sus partes, han sido escritos bajo la inspiración del Espíritu Santo; y está tan lejos de la divina inspiración el admitir error, que ella por sí misma no solamente lo excluye en absoluto, sino que lo excluye y rechaza con la misma necesidad con que es necesario que Dios, Verdad suma, no sea autor de ningún error.
46. Tal es la antigua y constante creencia de la Iglesia definida solemnemente por los concilios de Florencia y de Trento, confirmada por fin y más expresamente declarada en el concilio Vaticano, que dio este decreto absoluto: «Los libros del Antigo y del Nuevo Testamento, íntegros, con todas sus partes, como se describen en el decreto del mismo concilio (Tridentino) y se contienen en la antigua versión latina Vulgata, deben ser recibidos por sagrados y canónicos. La Iglesia los tiene por sagrados y canónicos, no porque, habiendo sido escritos por la sola industria humana, hayan sido después aprobados por su autoridad, ni sólo porque contengan la revelación sin error, sino porque, habiendo sido escritos por inspiración del Espíritu Santo, tienen a Dios por autor»(58). Por lo cual nada importa que el Espíritu Santo se haya servido de hombres como de instrumentos para escribir, como si a estos escritores inspirados, ya que no al autor principal, se les pudiera haber deslizado algún error. Porque El de tal manera los excitó y movió con su influjo sobrenatural para que escribieran, de tal manera los asistió mientras escribían, que ellos concibieran rectamente todo y sólo lo que El quería, y lo quisieran fielmente escribir, y lo expresaran aptamente con verdad infalible; de otra manera, El no sería el autor de toda la Sagrada Escritura.
47. Tal ha sido siempre el sentir de los Santos Padres. «Y así dice San Agustín, puesto que éstos han escrito lo que el Espíritu Santo les ha mostrado y les ha dicho, no debe decirse que no lo ha escrito El mismo, ya que, como miembros, han ejecutado lo que la cabeza les dictaba»(59). Y San Gregorio Magno dice: «Es inútil preguntar quién ha escrito esto, puesto que se cree firmemente que el autor del libro es el Espíritu Santo; ha escrito, en efecto, el que dictó lo que se había de escribir; ha escrito quien ha inspirado la obra»(60). Síguese que quienes piensen que en los lugares auténticos de los libros sagrados puede haber algo de falso, o destruyen el concepto católico de inspiración divina, o hacen al mismo Dios autor del error.
48. Y de tal manera estaban todos los Padres y Doctores persuadidos de que las divinas Letras, tales cuales salieron de manos de los hagiógrafos, eran inmunes de todo error, que por ello se esforzaron, no menos sutil que religiosamente, en componer entre sí y conciliar los no pocos pasajes que presentan contradicciones o desemejanzas (y que son casi los mismos que hoy son presentados en nombre de la nueva ciencia); unánimes en afirmar que dichos libros, en su totalidad y en cada una de sus partes, procedían por igual de la inspiración divina, y que el mismo Dios, hablando por los autores sagrados, nada podía decir ajeno a la verdad. Valga por todos lo que el mismo Agustín escribe a Jerónimo: «Yo confieso a vuestra caridad que he aprendido a dispensar a solos los libros de la Escritura que se llaman canónicos la reverencia y el honor de creer muy firmemente que ninguno de sus autores ha podido cometer un error al escribirlos. Y si yo encontrase en estas letras algo que me pareciese contrario a la verdad, no vacilaría en afirmar o que el manuscrito es defectuoso, o que el traductor no entendió exactamente el texto, o que no lo he entendido yo»(61).
49. Pero luchar plena y perfectamente con el empleo de tan importantes ciencias para establecer la santidad de la Biblia, es algo superior a lo que de la sola erudición de los intérpretes y de los teólogos se puede esperar. Es de desear, por lo tanto, que se propongan el mismo objeto y se esfuercen por lograrlo todos los católicos que hayan adquirido alguna autoridad en las ciencias profanas. El prestigio de estos ingenios, si nunca hasta el presente, tampoco hoy falta a la Iglesia, gracias a Dios, y ojalá vaya en aumento para ayuda de la fe. Consideramos de la mayor importancia que la verdad encuentre más numerosos y sólidos defensores que adversarios, pues no hay cosa que tanto pueda persuadir al vulgo a aceptar la verdad como el ver a hombres distinguidos en alguna ciencia profesarla abiertamente. Incluso la envidia de los detractores se desvanecerá fácilmente, o al menos no se atreverán ya a afirmar con tanta petulancia que la fe es enemiga de la ciencia, cuando vean a hombres doctos rendir el mayor honor y la máxima reverencia a la fe.
50. Puesto que tanto provecho pueden prestar a la religión aquellos a quienes la Providencia concedió, junto con la gracia de profesar la fe católica, el feliz don del talento, es preciso que, en medio de esta lucha violenta de los estudios que se refieren en alguna manera a las Escrituras, cada uno de ellos elija la disciplina apropiada y, sobresaliendo en ella, se aplique a rechazar victoriosamente los dardos que la ciencia impía dirige contra aquéllas.
51. Aquí nos es grato tributar las merecidas alabanzas a la conducta de algunos católicos, quienes, a fin de que los sabios puedan entregarse con toda abundancia de medios a estos estudios y hacerlos progresar formando asociaciones, gustan de contribuir generosamente con recursos económicos. Excelente manera de emplear su dinero y muy apropiada a las necesidades de los tiempos. En efecto, cuantos menos socorros pueden los católicos esperar del Estado para sus estudios, más conviene que la liberalidad privada se muestre pronta y abundante; de modo que aquellos a quienes Dios ha dado riquezas, las consagren a conservar el tesoro de la verdad revelada.
52. Mas, para que tales trabajos aprovechen verdaderamente a las ciencias bíblicas, los hombres doctos deben apoyarse en los principios que dejamos indicados más arriba; sostengan con firmeza que un mismo Dios es el creador y gobernador de todas las cosas y el autor de las Escrituras, y que, por lo tanto, nada puede deducirse de la naturaleza de las cosas ni de los monumentos de la historia que contradiga realmente a las Escrituras. Y si tal pareciese, ha de demostrarse lo contrario, bien sometiendo al juicio prudente de teólogos y exegetas cuál sea el sentido verdadero o verosímil del lugar de la Escritura que se objeta, bien examinando con mayor diligencia la fuerza de los argumentos que se aducen en contra. Ni hay que darse por vencidos si aun entonces queda alguna apariencia en contrario, porque, no pudiendo de manera alguna la verdad oponerse a la verdad, necesariamente ha de estar equivocada o la intepretación que se da a las palabras sagradas o la parte contraria; si ni lo uno ni lo otro apareciese claro, suspendamos el juicio de momento. Muchas acusaciones de todo género se han venido lanzando contra la Escritura durante largo tiempo y con tesón, que hoy están completamente desautorizadas como vanas, y no pocas interpretaciones se han dado en otro tiempo acerca de algunos lugares de la Escritura que no pertenecían ciertamente a la fe ni a las costumbresen los que después una más diligente investigación ha aconsejado rectificar. El tiempo borra las opiniones humanas, mas «la verdad se robustece y permanece para siempre»(62). Por esta razón, como nadie puede lisonjearse de comprender rectamente toda la Escritura, a propósito de la cual San Agustín decía de sí mismo(63) que ignoraba más que sabía, cuando alguno encuentre en ella algo demasiado difícil para podérselo explicar, tenga la cautela y prudencia del mismo Doctor: «Vale más sentirse prisionero de signos desconocidos, pero útiles, que enredar la cerviz, al tratar de interpretarlos inútilmente, en las coyundas del error, cuando se creía haberla sacado del yugo de la servidumbre»(64).
53. Si los hombres que se dedican a estos estudios auxiliares siguen rigurosa y reverentemente nuestros consejos y nuestras órdenes; si escribiendo y enseñando dirigen los frutos de sus esfuerzos a combatir a los enemigos de la verdad y a precaver de los peligros de la fe a la juventud, entonces será cuando puedan gloriarse de servir dignamente el interés de las Sagradas Letras y de suministrar a la religión católica un apoyo tal como la Iglesia tiene derecho a esperar de la piedad y de la ciencia de sus hijos.
54. Esto es, venerables hermanos, lo que acerca de los estudios de Sagrada Escritura hemos creído oportuno advertir y mandar en esta ocasión movidos por Dios. A vosotros corresponde ahora procurar que se guarde y se cumpla con la escrupulosidad debida; de suerte que se manifieste más y más el reconocimiento debido a Dios por haber comunicado al género humano las palabras de su sabiduría y redunde todo ello en la abundancia de frutos tan deseados, especialmente en orden a la formación de la juventud levítica, que es nuestro constante desvelo y la esperanza de la Iglesia. Procurad con vuestra autoridad y vuestras exhortaciones que en los seminarios y centros de estudio sometidos a vuestra jurisdicción se dé a estos estudios el vigor y la prestancia que les corresponden. Que se lleven a cabo en todo bajo las directrices de la Iglesia según los saludables documentos y ejemplos de los Santos Padres y conforme al método laudable de nuestros mayores, y que de tal manera progresen con el correr de los tiempos, que sean defensa y ornamento de la verdad católica, dada por Dios para la eterna salvación de los pueblos.
55. Exhortamos, por último, paternalmente a todos los alumnos y ministros de la Iglesia a que se acerquen siempre con mayor afecto de reverencia y piedad a las Sagradas Letras, ya que la inteligencia de las mismas no les será abierta de manera saludable, como conviene, si no se alejan de la arrogancia de la ciencia terrena y excitan en su ánimo el deseo santo de la sabiduría que viene de arribas(65). Una vez introducidos en esta disciplina e ilustrados y fortalecidos por ella, estarán en las mejores condiciones para descubrir y evitar los engaños de la ciencia humana y para percibir y referir al orden sobrenatural sus frutos sólidos; caldeado así el ánimo, tenderá con más vehemencia a la consecucíón del premio de la virtud y del amor divino: «Bienaventurados los que investigan sus testimonios y le buscan de todo corazón»(66).
56. Animados con la esperanza del divino auxilio y confiando en vuestro celo pastoral, en prenda de los celestiales dones y en testimonio de nuestra especial benevolencia, os damos amorosamente en el Señor, a vosotros todos y a todo el clero y pueblo confiado a vuestros cuidados, la bendición apostólica.
Dado en Roma, junto a San Pedro, el 18 de noviembre de 1893, año 16 de nuestro pontificado.
___________________________
Notas
1. Leonis XIII Acta 13,326,364: ASS 26 (1893-94) 269-293.
2. Conc. Vat. I, ses.3 c.2: de revelatione.
3. Ibid.
4. S. Aug., De civ. Dei 11,3.
5. S. Clem. Rom., 1 Cor. 45; S. Polyc., Ad Phil. 7; Iren. Adv. haer., 2,28,2.
6. S. Io. Chrys., In Gen. hom.2,2; S. Aug., In Ps. 30 serm.2,l; S. Greg.I M., Ep. 4,13 ad Theod.
7. Tim 3,16s.
8. S. Aug., De util. cred. 14.32.
9. Hech 14,3.
10. S. Hier., Epist. 53 (al. 103) ad Paulinum 3. Cf. Hech 22,3; 2 Cor 10,4.
11. S. Hier., In Is. pról.
12. S. Hier., In Is. 54,12.
13. Cf. 1 Tes 1,5.
14. Cf. Jer 23,29.
15. Heb 4,12.
16. S. Aug., De doctr. christ. 4,6,7.
17. S. Io. Chrys., In Gen. hom.21,2; 60,3; S. Aug., De discipl. christ. 2.
18. S. Athan., Epist. fest. 39.
19. S. Aug., Serm. 26,24; S. Ambr., In Ps. 118 serm.l9 2.
20. S. Hier., Epist. 52 (al. 2) ad .Nepotianum.
21. S. Greg. M., Reg. past. 2,11 (al. 22); Moral. 18,26 (al. 14).
22. S. Aug, Serm. 179,1.
23. S. Greg. M. Reg. past. 3 24 (al. 48).
24 Cf. Act. 1,1.
25. 1 Tim 4,16.
26. S. Hier., In Mich. 1,10.
27. Conc. Trid., ses.5 c.1 de ref.
28. Ibíd. 1,2.
29. 1 Tim 6,20.
30. Ses.4 decr. de edit. et usu Libr. Sacr.
31. S. Aug., De doct.christ. 3,4.
32. S. Hier., Epist. 48 (al. 50) ad Pammachium 17.
33. S. Hier., Epist. 53 (al. 103) ad Paulinum 4.
34. S. Iren., Adv, haer. 4,26,5.
35. Conc. Vat. I, ses.3 c.2: de revel., ex Conc. Trid., ses.4 decr. de edit. et usu Libr. Sacr.
36. Conc. Vat. ses.3: de fide.
37. S Hier., Epist. 53 (al. 103) 6ss.
38. S. Aug., De util. cred. 17,35.
39. Rufinus, Hist. eccl. 2,9.
40. S. Aug., C. Iulian. 2,10,37.
41. S. Aug., De Gen. ad litt. 8,7,13.
42. Cf. Clemen. Al., Strom. 7,16; Orig., De princ, 4,8; In Lev. hom.4,8; Tertull., De praescr. 15s; S. Hilar., In Mt. 13,1.
43. S. Greg. M., Moral. 20,9 (al. 11).
44. S. Thom,, I q.l a.5 ad 2.
45. Ibíd., a.8.
46. Conc. Vat. I, ses.3 c.3: de fide.
47. Cf. Ef 6,13-17.
48. Cf. Col 3,16.
49 S. Io. Chrys., De sacerd. 4,4.
50. Cf. 1 Cor 9,22.
51. Cf. 2 Pe 3,15.
52. S. Aug., In Gen. op. imperf. 9,30.
53. S. Aug., De Gen. ad. litt. 1,21,41.
54. S. Aug., ibíd., 2,9,20.
55. S. Thom, I q.70 a.l ad 3.
56. S. Thom, In 2 Sent. d.2 q.l a.3.
57. S. Thom, Opusc. 10.
58. Conc. Vat. I, ses.3 c.2: de revel.
59 S. Aug., De cons. Evang. 1,35.
60. S. Greg. M., Moral. in 1 Iob, praef, 1,2.
61. S. Aug., Epist. 82,1 et crebius alibi.
62. 3 Esdr 4,38.
63. S. Aug., Epist. 55 ad Ianuar. 21.
64. S. Aug., De doctr. christ. 3,9,18.
65. Cf. Sal 3,15-17.
66. Sal 18,2.

 

Sobre as Provas da Existência de Deus à Luz da Ciência Natural Moderna — Pio XII

 Alocução “Un ora”, 1952*
ÍNDICE
Introdução
Natureza e fundamentos das provas da existência de Deus
Duas essenciais notas características do cosmo
A) A mutabilidade do cosmo. Fato da mutabilidade
a) no macrocosmo
b) no microcosmo
na esfera eletrônica
e no núcleo
O eternamente imutável
B) A direção das transformações
a) no macrocosmo: a lei da entropia
b) no microcosmo
C) O universo e seus desenvolvimentos
no futuro
no passado
D) O princípio no tempo
1. O distanciamento das nebulosas espirais ou galáxias
2. A idade da crosta sólida da terra
3. A idade dos meteoritos
4. A estabilidade dos sistemas de estrelas duplas e dos amontoados de estrelas
E) O estado e a qualidade da matéria originária
Conclusão
*  *  *
Na manhã de 22 de Novembro de 1951, o Santo Padre Pio XII, vindo de Castel Gandolfo, concedeu uma audiência solene, na sala do Consistório, à Academia Pontifícia de Ciências, por ocasião da “Semana de Estudo do problema dos microssismos, organizada em Roma por esta Academia. Depois do discurso do Santo Padre, o M. R. P. Agostinho Gemelli, Presidente da Academia Pontifícia de Ciências, agradeceu ao Sumo Pontífice e fez menção, enumerando os seus trabalhos particulares, dos acadêmicos pontifícios falecidos durante o ano. Nossa tradução foi feita sobre o texto italiano aparecido em L’Osservatore Romano a 23 de Novembro. Os subtítulos são do texto italiano, a numeração marginal corresponde aos parágrafos do texto.
DISCURSO
dirigido, a 22 de Novembro de 1951,
à Pontifícia Academia das Ciências
Introdução
1. Uma hora de serena alegria, pela qual somos grato ao Onipotente, é-Nos oferecida por esta reunião da Pontifícia Academia das Ciências, e ao mesmo tempo dá-nos a grata oportunidade de palestrarmos com um escol de eminentes Purpurados, de ilustres Diplomatas e de insignes Personagens, e especialmente convosco, Acadêmicos Pontifícios, bem dignos da solenidade desta assembléia, porquanto, indagando e desvendando os segredos da natureza, e ensinando os homens a dirigirem para o seu bem as forças dela, pregais ao mesmo tempo, com a linguagem dos algarismos, das fórmulas, dos descobrimentos, as inefáveis harmonias do Deus sapientíssimo.
2. De fato, a ciência verdadeira, contrariamente a arriscadas afirmações do passado, quanto mais avança tanto mais descobre Deus, como se Ele estivesse vigiando à espera, por trás de cada porta que a ciência abre. Antes, queremos dizer que, deste progressivo descobrimento de Deus, operado nos incrementos do saber, não somente se beneficia o cientista, quando pensa como filósofo — e como poderia abster-se disto?, — mas também tiram proveito todos aqueles que participam dos novos achados ou os tomam para objeto das suas considerações; e, de modo especial, tiram vantagem dele os genuínos filósofos, visto como, tomando das conquistas científicas os impulsos para as suas especulações racionais, daí auferem maior segurança nas suas conclusões, mais claras ilustrações nas possíveis sombras, mais convincentes subsídios para dar às dificuldades e às objeções uma resposta sempre mais satisfatória.
Natureza e fundamentos das provas da existência de Deus
3. Assim movido e guiado, o intelecto humano vai ao encontro dessa demonstração da existência de Deus que a sabedoria cristã reconhece nos argumentos filosóficos, joeirados nos séculos de gigantes do saber, e que para vós é bem conhecida na apresentação das “cinco vias” que o Angélico Doutor S. Tomás oferece como itinerário expedito e seguro da mente a Deus. Argumentos filosóficos, dissemos; mas nem por isto apriorísticos, como de tal os acusa um ingeneroso e incoerente positivismo. Eles operam sobre realidades concretas e certificadas pelos sentidos e pela ciência, mesmo se força probante adquirem do vigor da razão natural.
4. De tal arte, filosofia e ciências desenvolvem-se com atividades e métodos análogos e conciliáveis, valendo-se de elementos empíricos e racionais em diversa medida e conspirando em harmônica unidade para o descobrimento da verdade.
5. Mas, se a primitiva experiência dos antigos pôde oferecer à razão argumentos suficientes para a demonstração da existência de Deus, sucede que, com a ampliação e o aprofundamento do campo da própria experiência, mais cintilante e mais nítido refulge agora o vestígio do Eterno no mundo visível. Profícuo se afigura, pois, reexaminar, sobre a base das novas descobertas científicas, as clássicas provas do Angélico, especialmente as deduzidas do movimento e da ordem do universo (S. Th., 1 p., q. 2, art. 3); isto é, investigar se e quanto o conhecimento mais profundo da estrutura do macrocosmo e do microcosmo contribui para reforçar os argumentos filosóficos; e considerar depois, por outra parte, se e até que ponto foram eles, como não raras vezes se afirma, abalados pelo fato de haver a física moderna formulado novos princípios fundamentais, abolido ou modificado conceitos antigos cujo sentido, no passado, era talvez julgado fixo e definitivo, como, por exemplo, o tempo, o espaço, o movimento, a causalidade, a substância, conceitos sumamente importantes para a questão que ora nos ocupa. Mais do que de uma revisão das provas filosóficas, trata-se, pois, aqui de perscrutar as bases físicas — e, por questão de tempo, deveremos necessariamente restringir-Nos a algumas apenas, — das quais aqueles argumentos derivam. E não há que temer surpresas: a própria ciência não pretende sair desse mundo que, hoje como ontem, se apresenta com aqueles cinco “modos de ser”, dos quais toma impulso e nervo a demonstração filosófica da existência de Deus.

Duas essenciais notas características do cosmo
6. Destes “modos de ser” do mundo que nos circunda, modos notados com maior ou menor compreensão, mas com igual evidência, pelo filósofo e pela inteligência comum, há dois que as ciências modernas maravilhosamente sondaram, averiguaram e aprofundaram além de qualquer expectativa: lº) a mutabilidade das coisas, inclusive o seu nascimento e o seu fim; 2º) a ordem de finalidade que reluz em cada ângulo do cosmo. Notabilíssimo é o contributo assim prestado pelas ciências às duas demonstrações filosóficas que sobre elas versam e que constituem a primeira e a quinta vias. À primeira delas, a física, especialmente, tem conferido uma inesgotável mina de experiências, revelando o fato da mutabilidade em profundos recessos da natureza, onde anteriormente nenhuma mente humana podia sequer suspeitar-lhe a existência e a amplitude, e fornecendo uma multiplicidade de fatos empíricos que são um valiosíssimo subsídio para o raciocínio filosófico. Dizemos subsídio porque, ao contrário, a direção das mesmas transformações, embora certificadas pela física moderna, parece-Nos superar o valor de uma simples confirmação, e como que atinge a estrutura e o grau de um argumento físico em grande parte novo e, para muitas mentes, mais aceitável, persuasivo e agradável.
7. Com semelhantes riquezas, as ciências, especialmente as astronômicas e biológicas, têm, nos últimos tempos, proporcionado ao argumento da ordem um tal acervo de conhecimentos e uma tal visão, por assim dizer inebriante, da unidade conceitual que anima o cosmo e da finalidade que lhe dirige o caminho, que destarte antecipa ao homem moderno aquele gáudio que o Poeta imaginava no céu empíreo, quando viu como em Deus “se interna — ligado com amor num só volume — o que pelo universo se folheia” (Paraíso 33, 85-87).
8. Todavia, a Providência dispôs que a noção de Deus, tão essencial à vida de cada homem, como facilmente se pode inferir de um simples olhar lançado sobre o mundo, que não lhe compreender a voz é estultícia (cf. Sab 13, 1-2), assim receba confirmação de todo aprofundamento e progresso dos conhecimentos científicos.
9. Querendo, pois, dar aqui uma rápida amostra do precioso serviço que as ciências modernas prestam à demonstração da existência de Deus, restringir-Nos-emos primeiramente ao fato das mutações, realçando-lhe principalmente a amplitude, a vastidão e, por assim dizer, a totalidade que a física moderna verifica no cosmo inanimado; depois, deter-Nos-emos sobre o significado da direção delas, qual ficou igualmente certificada. Será como que prestar ouvido a um pequeno concerto do imenso universo, que, entretanto, tem voz bastante para cantar “a glória d’Aquele que tudo move” (Par. 1, 1).
A) A mutabilidade do cosmo. Fato da mutabilidade
a) no macrocosmo:
10. Ao primeiro aspecto, justamente causa admiração o ver como, à medida que as ciências têm progredido, o conhecimento do fato da mutabilidade tem ganho sempre maior terreno tanto no macrocosmo como no microcosmo, como que confirmando com novas provas a teoria de Heráclito: “Tudo passa”: panta rhei. Como é conhecido, a própria experiência cotidiana mostra uma ingente quantidade de transformações no mundo próximo ou remoto que nos circunda, sobretudo os movimentos locais dos corpos. Mas, além destes verdadeiros e próprios movimentos locais, são, do mesmo modo, facilmente visíveis as multiformes mudanças químico-físicas, por exemplo a mutação do estado físico da água nas suas três fases de vapor, líquido e gelo; os profundos efeitos químicos mediante o uso do fogo, cujo conhecimento remonta à idade pré-histórica; a desagregação das pedras e a corrupção dos corpos vegetais e animais. A tal experiência comum veio juntar-se a ciência natural, que ensinou a compreender estes e outros semelhantes acontecimentos como processos de destruição ou de construção das substâncias corpóreas nos seus elementos químicos, ou seja nas suas mais pequenas partes, os átomos químicos. Antes, indo mais além, ela tornou manifesto como esta mutabilidade químico-física de modo algum se restringe aos corpos terrestres, como era a crença dos antigos, mas se estende a todos os corpos do nosso sistema solar e do grande universo, que o telescópio, e ainda melhor o espectroscópio, têm mostrado serem formados pelas mesmas espécies de átomos.
b) no microcosmo:
11. Contra a indiscutível mutabilidade da natureza mesmo inanimada, ainda se erguia, contudo, o enigma do inexplorado microcosmo. De feito, parecia que, diferentemente do mundo animado, a matéria inorgânica fosse, em certo sentido, imutável. As suas mais pequenas partes, os átomos químicos, podiam, sim, unir-se entre si nos mais diversos modos, porém pareciam gozar do privilégio de uma eterna estabilidade e indestrutibilidade, saindo inalterados de qualquer síntese e análise química. Há cem anos atrás, eles ainda eram julgados simples, indivisíveis e indestrutíveis partículas elementares. O mesmo se pensava das energias e das forças materiais do cosmo, sobretudo com base nas leis fundamentais da conservação da massa e da energia. Alguns naturalistas julgavam-se até autorizados a formular em nome da sua ciência uma fantástica filosofia monista, cuja triste lembrança está ligada, entre outros, ao nome de Ernst Haeckel. Porém mesmo no seu tempo, em fins do século passado, também esta concepção simplista do átomo químico foi transtornada pela ciência moderna. O crescente conhecimento do sistema periódico dos elementos químicos, o descobrimento das irradiações corpusculares dos elementos radioativos, e muitos outros fatos semelhantes, mostraram que o microcosmo do átomo químico, com dimensões da ordem do décimo milionésimo de milímetro, é teatro de contínuas mutações, não menos que o macrocosmo por todos bem conhecido.
na esfera eletrônica:
12. E, primeiramente, o caráter da mutabilidade foi verificado na esfera eletrônica. Da estrutura eletrônica do átomo emanam irradiações de luz e de calor que são absorvidas pelos corpos externos, correspondentemente ao nível de energia das órbitas eletrônicas. Nas partes exteriores desta esfera efetua-se também a ionização do átomo e a transformação da energia na síntese e na análise das combinações químicas. Mas então podia-se supor que estas transformações químico-físicas ainda deixassem um refúgio à estabilidade, não atingindo o próprio núcleo do átomo, sede da massa e da carga elétrica positiva, pelas quais é determinado o lugar do átomo químico no sistema natural dos elementos, e onde pareceu encontrar-se como que o tipo do absolutamente estável e invariável.
e no núcleo.
13. Mas já nos albores do novo século, a observação dos processos radioativos, a atribuir-se, em última análise, a uma espontânea desintegração do núcleo, leva a excluir um tal tipo. Verificada, pois, a instabilidade até no mais profundo recesso da natureza conhecida, restava todavia um fato que deixava perplexos os observadores, parecendo que o átomo era inatacável ao menos pelas forças humanas, visto haverem, em princípio, falhado todas as tentativas de lhes acelerar ou deter a natural desagregação radioativa, ou mesmo de desintegrar núcleos não-ativos. A primeira e assaz modesta desintegração do núcleo (de azoto) remonta a apenas três decênios; e só há poucos anos, após ingentes esforços, foi possível efetuar em consideráveis quantidades processos de formação e de decomposição de núcleos. Embora este resultado (que, quando serve às obras de paz, certamente se erige em título de louvor para o nosso século) não represente no campo da física nuclear prática senão um primeiro passo, todavia com ele é assegurada para a nossa consideração uma importante conclusão: os núcleos atômicos são, realmente, para muitas ordens de grandeza, mais firmes e mais estáveis do que as composições químicas ordinárias, porém, não obstante isto, são também maximamente sujeitos a semelhantes leis de transformação e, portanto, mutáveis.
14. Ao mesmo tempo, pôde-se verificar que tais processos têm a maior importância na economia da energia das estrelas fixas. No centro do nosso sol, por exemplo, opera-se, segundo Bethe, numa temperatura que gira em torno dos vinte milhões de graus, uma reação em cadeia fechada, na qual quatro núcleos de hidrogênio se unem num núcleo de hélio. A energia que assim se libera vem a compensar a perda devida à irradiação do próprio sol. Mesmo nos modernos laboratórios físicos consegue-se, mediante o bombardeio com partículas dotadas de altíssima energia ou com neurônios, efetuar transformações de núcleos, como se pode ver no exemplo do átomo de urânio. A este propósito, cumpre outrossim mencionar os efeitos da radiação cósmica, que pode desagregar os átomos mais pesados, desprendendo assim, não raras vezes, enxames inteiros de partículas subatômicas.
15. Quisemos citar apenas poucos exemplos, capazes entretanto de pôr fora de qualquer dúvida a expressa mutabilidade do mundo inorgânico, grande e pequeno: as múltiplas transformações das formas de energia, especialmente nas decomposições e combinações químicas no macrocosmo; e, não menos, a mutabilidade dos átomos químicos até à partícula subatômica dos seus núcleos.
O eternamente imutável
16. O cientista de hoje, mergulhando o olhar no interior da natureza mais profundamente do que o seu predecessor de cem anos atrás, sabe, pois, que a matéria inorgânica, por assim dizer na sua medula mais íntima, está marcada com o cunho da mutabilidade, e que portanto o seu ser e o seu subsistir exigem uma realidade inteiramente diversa e, por sua natureza, invariável.
17. Assim como num quadro em claro-escuro as figuras ressaltam do fundo escuro, só desse modo obtendo o pleno efeito de plástica e de vida, assim também a imagem do eternamente imutável emerge, clara e esplendente, da torrente que, no macro e no microcosmo, arrebata consigo todas as coisas e as transtorna numa intrínseca mutabilidade que nunca pára. O cientista que se detém à margem dessa imensa torrente, acha repouso naquele grito de verdade com que Deus se definiu a si mesmo: “Eu sou quem sou” (êx 3, 14), e que o Apóstolo louva como “Pater luminum, apud quem non est transmutatio neque vicissitudinis obumbratio” (Tgo 1, 17).
B) A direção das transformações
a) no macrocosmo: a lei da entropia.[1]
18. Mas a ciência moderna não somente alargou e aprofundou os nossos conhecimentos sobre a realidade e a amplitude da mutabilidade do cosmo; oferece-nos também preciosas indicações acerca da direção segundo a qual se realizam os processos na natureza. Ao passo que, ainda há cem anos, especialmente depois do descobrimento da lei da constância, se pensava que os processos naturais fossem reversíveis, e, por isto, segundo os princípios da estrita causalidade — ou, melhor, determinação — da natureza, considerava-se possível uma sempre ocorrente renovação e rejuvenescimento do cosmo; com a lei da entropia, descoberta graças a Rodolfo Clausius, veio-se a conhecer que os processos naturais espontâneos estão sempre unidos a uma diminuição da energia livre e utilizável; o que, num sistema material fechado, deve conduzir finalmente à cessação dos processos em escala macroscópica. Este destino fatal, que somente hipóteses às vezes sobejamente gratuitas, como a da criação contínua supletiva, se esforçam por poupar ao universo, mas que, ao invés, ressalta da experiência científica, postula eloqüentemente a existência de um Ente necessário.
b) no microcosmo:
19. No microcosmo, esta lei, estatística no fundo, não tem aplicação, e, além disto, ao tempo da sua formulação quase nada se conhecia da estrutura e do comportamento do átomo. Todavia, a mais recente investigação sobre o átomo, e outrossim o inesperado desenvolvimento da astrofísica, possibilitaram neste campo surpreendentes descobrimentos. O resultado não pode ser aqui senão brevemente indicado, e é que também ao desenvolvimento atômico e intra-atômico é claramente consignado um sentido de direção.
20. Para ilustrar este fato, bastará recorrer ao já mencionado exemplo do comportamento das energias solares. A estrutura eletrônica dos átomos químicos na fotosfera do sol desprende, a cada segundo, uma gigantesca quantidade de energia radiante no espaço circunstante, do qual não retorna. A perda é compensada no interior do sol por meio da formação de hélio de hidrogênio. A energia que com isto se torna livre provém da massa dos núcleos de hidrogênio, a qual, neste processo, em pequena parte (7%) se converte em energia equivalente. O processo de compensação desenvolve-se, pois, a expensas da energia, que originariamente, nos núcleos de hidrogênio, existe como massa. Assim, no curso de bilhões de anos, lenta mas irreparavelmente, tal energia transforma-se em radiações. Coisa semelhante acontece em todos os processos radioativos, quer naturais, quer artificiais. Mesmo aqui, pois, no estrito e próprio microcosmo, verificamos uma lei que indica a direção da evolução, e que é análoga à lei da entropia no macrocosmo. A direção da evolução espontânea é determinada mediante a diminuição da energia utilizável na estrutura e no núcleo do átomo, e até agora não se conhecem processos capazes de compensar ou de anular tal degradação, por meio da formação espontânea de núcleos de alto valor energético.
C) O universo e seus desenvolvimentos
no futuro:
21. Portanto, se o cientista volve o olhar do estado presente do universo para o futuro, mesmo remotíssimo, vê-se forçado a verificar, no macrocosmo como no microcosmo, o envelhecimento do mundo. No curso de bilhões de anos, até mesmo as quantidades de núcleos atômicos aparentemente inesgotáveis perdem energia utilizável, e, para falar figuradamente, a matéria aproxima-se de um vulcão extinto e escoriforme. E vem a pêlo pensar que, se o cosmo presente, hoje tão pulsante de ritmos e de vida, não é suficiente para, como se viu, dar razão de si, tanto menos poderá fazê-lo o cosmo sobre o qual houver passado, a seu modo, a asa da morte.
no passado:
22. Voltemos agora o olhar para o passado. À medida que se retrocede, a matéria apresenta-se sempre mais rica de energia livre, e teatro de grandes transtornos cósmicos. Assim, tudo parece indicar que o universo material teve, desde tempos finitos, um poderoso início, provido como estava de uma abundância inimaginavelmente grande de reservas energéticas, em virtude das quais, primeiro rapidamente, depois com crescente lentidão, evolveu para o estado presente.
23. Apresentam-se, pois, espontâneos, à mente, dois quesitos: Está a ciência em condições de dizer quando teve lugar esse poderoso princípio do cosmo? E qual era o estado inicial, primitivo, do universo?
24. Os mais excelentes peritos da física do átomo, em colaboração com os astrônomos e com os astrofísicos, têm-se esforçado por fazer luz sobre estes dois árduos, mas sobremodo interessantes problemas.
D) O princípio no tempo
25. Antes de tudo, para citar algumas cifras, que nada pretendem senão exprimir uma ordem de grandeza ao designar o alvorecer do nosso universo, isto é, o seu princípio no tempo, a ciência dispõe de várias vias, cada uma bastante independente da outra, mas no entanto convergentes, as quais brevemente indicamos:
1. O distanciamento das nebulosas espirais ou galáxias.
26. O exame de numerosas nebulosas espirais, executado especialmente por Edwin E. Hubble no Mount Wilson Observatory, levou ao significativo resultado — embora temperado de reservas — de que esses longínquos sistemas de galáxias tendem a distanciar-se uma da outra com tanta velocidade, que o intervalo entre duas dessas nebulosas espirais em cerca de 1300 milhões de anos se duplica. Se se olha, atrás, o tempo deste processo do “Expanding Universe”, resulta que, de um a dez bilhões de anos passados, a matéria de todas as nebulosas espirais achava-se comprimida num espaço relativamente restrito quando os processos cósmicos tiveram princípio.
2. A idade da crosta sólida da terra.
27. Para calcular a idade das substâncias originárias radioativas, datas muito aproximativas se deduzem da transmutação do isótopo do urânio 238 num isótopo de chumbo (RaG), do urânio 235 em actínio D (AcD) e do isótopo de tório 232 em tório D (ThD). A massa de hélio que com isto se forma pode servir de controle. Por tal via, resultaria que a idade média dos minerais mais antigos é, no máximo, de 5 bilhões de anos.
3. A idade dos meteoritos.
28. O método precedente aplicado aos meteoritos, para lhes calcular a idade, deu aproximadamente a mesma cifra de 5 bilhões de anos. Resultado este que adquire especial importância desde quando hoje em dia é geralmente admitida a origem interestelar dos meteoritos.
4. A estabilidade dos sistemas de estrelas duplas e dos amontoados de estrelas.
29. As oscilações da gravitação dentro destes sistemas, como o atrito das marés, restringem de novo a estabilidade deles para entre os termos de 5 até 10 bilhões de anos.
30. Se estas cifras podem causar estupor, todavia nem mesmo ao mais simples dos crentes trazem elas um conceito novo e diverso do ensinado pelas primeiras palavras do Gênese “In principio”, ou seja o início das coisas no tempo. A essas palavras elas dão uma expressão concreta e quase matemática, enquanto um conforto a mais brota delas para aqueles que compartilham com o Apóstolo a estima para com essa Escritura, divinamente inspirada, a qual é sempre útil “ad docendum, ad arguendum, ad corripiendum, ad erudiendum” (2 Tim 3, 16).
E) O estado e a qualidade da matéria originária
31. Com igual empenho e liberdade de indagação e de verificação, além de à questão sobre a idade do cosmo os doutos aplicaram o seu audaz engenho à outra, já apontada, e certamente mais árdua, que concerne ao estado e à qualidade da matéria primitiva.
32. Segundo as teorias que se tomam por base, os relativos cálculos diferem não pouco uns dos outros. Contudo, concordam os cientistas em admitir que, ao lado da massa, também a densidade, a pressão e a temperatura devem ter atingido graus totalmente enormes, como se pode ver no recente trabalho de A. Unsöld, diretor do Observatório de Kiel (Kernphysik und Kosmologie, na Zeitschrift für Astrophysik, 24. B., 1948, pp. 278-305). Só em tais condições se pode compreender a formação dos núcleos pesados e a sua freqüência relativa no sistema periódico dos elementos.
33. Por outro lado, com razão a mente ávida de verdade insiste em perguntar como foi que a matéria chegou a um estado tão inverossímil para a nossa comum experiência de hoje, e que foi que a precedeu. Em vão se esperaria uma resposta da ciência natural, a qual antes lealmente declara achar-se em face de um enigma insolúvel. Bem verdade é que demasiado se exigiria da ciência natural como tal; mas certo é também que mais profundamente penetra no problema o espírito humano versado na meditação filosófica.
34. É inegável que uma mente iluminada e enriquecida pelos modernos conhecimentos científicos, a qual pondere serenamente este problema, é levada a romper o círculo de uma matéria totalmente independente e autóctona, ou porque incriada, ou porque criada por si, e a remontar a um Espírito criador. Com o mesmo olhar límpido e crítico com que examina e julga os fatos, entrevê ela e reconhece aí a obra da onipotência criadora, cuja virtude, agitada pelo potente “fiat” pronunciado há bilhões de anos pelo Espírito criador, se desenvolveu no universo, chamando à existência, com um gesto de amor generoso, a matéria exuberante de energia. Parece, realmente, que a ciência hodierna, saltando de um pulo milhões de séculos, conseguiu fazer-se testemunha desse primordial “Fiat lux”, quando do nada prorrompeu, com a matéria, um mar de luz e de radiações, enquanto as partículas dos elementos químicos se cindiram e se reuniram em milhões de galáxias.
35. Bem verdade é que, da criação no tempo, os fatos até aqui averiguados não são argumento de prova absoluta, como são, ao contrário, os atingidos pela metafísica e pela revelação, naquilo que concerne à simples criação, e pela revelação se se trata de criação no tempo. Os fatos pertinentes às ciências naturais, a que Nos havemos referido, aguardam ainda maiores indagações e confirmações, e as teorias fundadas neles precisam de novos desenvolvimentos e provas, para oferecerem uma base segura a uma argumentação que, por si, está fora da esfera própria das ciências naturais.
36. Não obstante isto, é digno de atenção que modernos cultores destas ciências considerem a idéia da criação do universo inteiramente conciliável com a sua concepção científica, e que, antes, a ela são eles espontaneamente conduzidos pelas suas investigações; ao passo que, ainda há poucos decênios, uma tal “hipótese” era repelida como absolutamente inconciliável com o estado presente da ciência. Ainda em 1911 o célebre físico Svante Arrehnius declarava que “a opinião de que alguma coisa possa nascer do nada está em contraste com o estado presente da ciência, segundo a qual a matéria é imutável” (Die Vorstellung vom Weltgebäude im Wandel der Zeiten, 1911, p. 362). De igual modo, é de Plate a afirmação: “A matéria existe. Do nada não nasce nada: por conseqüência, a matéria é eterna. Não podemos admitir a criação da matéria” (Ultramontane Weltanschauung und moderne Lebenskunde, 1907, p. 55).
37. Quão diverso e mais fiel espelho de imensas visões é, ao contrário, a linguagem de um moderno cientista de primeira ordem, Sir Edmund Whittaker, Acadêmico Pontifício, quando fala das supracitadas investigações em torno da idade do mundo: “Estes diferentes cálculos convergem para a conclusão de ter havido uma época, cerca de 109 ou 1010 anos atrás, antes da qual o cosmo, se existia, existia de forma totalmente diversa de qualquer coisa por nós conhecida: de modo que ela representa o último limite da ciência. Podemos, talvez, sem impropriedade, referir-nos a ela como à criação. Ela fornece um concordante fundo à visão do mundo que é sugerida pela evidência geológica, isto é, de que todo organismo existente na terra teve um princípio no tempo. Se este resultado devesse ser confirmado por futuras investigações, bem poderia vir a ser considerado como a mais importante descoberta da nossa época, visto representar uma mudança fundamental na concepção científica do universo, semelhante à efetuada, há quatro séculos, por obra de Copérnico” (Space and Spirit, 1946, pp. 118-119).
Conclusão
38. Qual é, pois, a importância da ciência moderna relativamente ao argumento, em prova da existência de Deus, deduzido da mutabilidade do cosmo? Por meio de indagações exatas e particularizadas no macrocosmo e no microcosmo, ela alargou e aprofundou consideravelmente o fundamento empírico em que aquele argumento se baseia, e do qual se conclui para a existência de um Ens a se, imutável por sua natureza. Além disto, ela seguiu o curso e a direção dos desenvolvimentos cósmicos, e, assim como lhes entreviu o termo fatal, assim também apontou o início deles num tempo de cerca de 5 bilhões de anos atrás, confirmando, com a positividade própria das provas físicas, a contingência do universo e a fundada dedução de que por aquela época o cosmo tenha saído das mãos do Criador.
39. A criação no tempo, pois; e, por isto, um Criador; portanto Deus! É esta a voz, conquanto não explícita nem completa, que Nós pedíamos à ciência, e que a presente geração humana espera dela. É voz que irrompe da madura e serena consideração de um só aspecto do universo, vale dizer da sua mutabilidade; mas já é suficiente para que a humanidade inteira, ápice e expressão racional do macrocosmo e do microcosmo, tomando consciência do seu alto Criador, se sinta coisa d’Ele no espaço e no tempo, e, caindo de joelhos diante da sua soberana Majestade, comece a lhe invocar o nome: “Rerum, Deus, tenax vigor, immotus in te permanens, lucis diurnae tempora successibus determinans” (ex Hymn. ad Nonam).
40. O conhecimento de Deus como único Criador, conhecimento comum a muitos cientistas modernos, é, de certo, o extremo limite a que pode chegar a razão natural; mas — como bem sabeis — não constitui a última fronteira da verdade. Do mesmo Criador, encontrado pela ciência no seu caminho, a filosofia, e muito mais a revelação, em harmônica colaboração, por serem todas três instrumentos da verdade como raios do mesmo sol, contemplam a substância, desvendam os contornos, reproduzem os traços. Sobretudo a revelação torna a presença dele quase imediata, vivificante, amorosa, qual a que o simples crente ou o cientista notam no íntimo do seu espírito, quando repetem sem vacilação as concisas palavras do antigo Símbolo dos Apóstolos: “Credo in Deum, Patrem omnipotentem, Creatorem caeli et terrae!”
41. Hoje, depois de tantos séculos de civilização, porque séculos de religião, não é que se faça mister descobrir pela primeira vez a Deus, quando, antes, urge senti-lo como Pai, venerá-lo como Legislador, temê-lo como Juiz; para salvação dos povos urge que eles adorem o Filho, amoroso Redentor dos homens, e se dobrem aos suaves impulsos do Espírito, fecundo Santificador das almas.
42. Esta persuasão, que da ciência tira os seus longínquos impulsos, é coroada pela fé, a qual, se sempre mais radicada na consciência dos povos, poderá deveras trazer um progresso fundamental ao curso da civilização.
43. É uma visão do todo, do presente como do futuro, da matéria como do espírito, do tempo como da eternidade, que, iluminando as mentes, poupará aos homens de hoje uma longa noite de tempestade.
44. É aquela fé que neste momento Nos faz elevar, Àquele que ainda há pouco invocamos como Vigor, Immotus e Pater, a fervorosa súplica por todos os seus filhos a Nós dados em custódia: “Largire lumen vespere, quo vita nusquam decidat” (1. c.): luz para a vida do tempo, luz para a vida da eternidade. 

Pio XII


* Editora Vozes Ltda., Petrópolis, R. J., Rio de Janeiro — São Paulo. Imprimatur por comissão especial do Exmo. e Revmo. Sr. Dom Manuel Pedro da Cunha Cintra, Bispo de Petrópolis. Frei Lauro Ostermann, O. F. M. Petrópolis, 1-II-1952. Tradução de Luís Leal Ferreira.
[1] A entropia (do grego εντροπία, entropía) é uma grandeza termodinâmica geralmente associada ao grau de desordem. Ela mede a parte da energia que não pode ser transformada em trabalho. É uma função de estado cujo valor cresce durante um processo natural em um sistema fechado. A entropia cresce quando o corpo recebe calor; diminui, quando escapa calor. Rodolfo Clausius (1822-1888) é um físico alemão, que estudou sobretudo as teorias relativas ao calor dos corpos. Reduziu as leis fundamentais do calor às leis mecânicas e introduziu no estudo das transformações termodinâmicas a nova função da entropia. Publicou entre outros um livro intitulado: “Teoria mecânica do calor”.

La Royauté universelle de Notre-Seigneur Jésus-Christ

 Par le P. Reg. Garrigou-Lagrange, O.P.
La Vie Spirituelle, n° 73, oct. 1925, pp. 5-21
Data est mihi omnis potestas in caelo et in terra. (Mt 28, 18.)
Depuis plusieurs années bien des Évêques et Généraux d’Ordres religieux ont demandé au Souverain Pontife une messe et un office en l’honneur de la Royauté sociale de Jésus-Christ. Sous Léon XIII, une pétition signée par le Cardinal Sarto, le futur Pie X, et par d’autres représentants du Sacré Collège, reçut du Saint-Père le meilleur accueil. Depuis lors le mouvement s’est développé, dans le monde entier; environ six cents membres de la hiérarchie ont insisté auprès du Saint-Siège pour l’institution d’une fête spéciale de Jésus-Christ, roi des nations.
A une époque où le mouvement bolcheviste, après avoir avec une fureur satanique ravagé la Russie, cherche à se répandre en Orient, et menace l’Europe entière, on doit comprendre que l’esprit du mal règne fatalement où ne règne plus l’esprit du Christ. La Société des nations, qui se refuse à reconnaître les droits de Dieu sur les peuples, est manifestement et radicalement impuissante à rétablir l’ordre dont elle méconnaît le principe.
Comme l’écrivait le Cardinal Mercier dans sa Pastorale de 1918, « le principal crime que le monde expie en ce moment, c’est l’apostasie officielle des États… Je n’hésite pas à proclamer, ajoutait Son Éminence, que cette indifférence religieuse, qui met sur le même pied la religion divine et la religion d’invention humaine, pour les envelopper toutes dans le même scepticisme, est le blasphème, qui, plus encore que les fautes des individus et des familles, appelle sur la société les châtiments de Dieu ».
Le laïcisme, qui nie les droits de Dieu sur la société humaine dont il est l’auteur, est un crime de lèse-divinité et le plus grand malheur du monde moderne. Pour réparer ce crime, il faut exalter Jésus-Christ, comme roi universel des individus, des familles et des sociétés. Si la royauté universelle du Christ est proclamée et son règne social reconnu, une des principales erreurs du monde moderne sera atteinte dans sa racine même. C’est le point sur lequel insistent les six cents membres de la hiérarchie qui demandent l’institution de la fête de Jésus-Christ, roi des nations.
« Le Saint-Père, écrivait récemment S. Ém. le Cardinal Laurenti (1), juge le projet très beau, très grand, très opportun. Précisément à cause de son importance, ce projet mérite une réalisation digne, grandiose, qui fasse époque, qui donne un ébranlement aux esprits… Pour obtenir cette préparation, il faut agiter, propager la question par la parole et par les écrits… Une telle préparation sera couronnée par un acte solennel du Pape, qui trouverait le monde disposé à en apprécier la portée. »
C’est pourquoi il nous a paru utile de traiter la question dans la Vie Spirituelle, en nous plaçant surtout au point de vue de la vie intérieure, qui doit être l’âme du culte extérieur, soit individuel, soit social.
Voyons 1° ce que nous dit la Sainte Écriture de la royauté universelle de Jésus-Christ; 2° quelle est la nature, le fondement et l’excellence de cette royauté; 3° comment Jésus exerce ce pouvoir royal universel.

*
*    *
I. – La Royauté universelle de Jésus-Christ
dans la Sainte Écriture
Les textes messianiques, qui prédisent le Christ futur, manifestent progressivement ses attributions de roi universel.
La Genèse annonce déjà que les nations de la terre seront bénies en lui et qu’il sera l’attente des nations. Les Nombres disent que de Jacob sortira le vrai dominateur (Gn 12, 2. 3; 23, 17; 26, 449, 8; Nb 24, 17).
Le psaume 2 représente le Messie comme une personne distincte du Père, que le Père appelle son véritable fils, et qui a pour héritage tous les peuples: « Dominus dixit ad me: Filius meus es tu, ego hodie genui te. Postula a me, et dabo tibi gentes haereditatem tuam…: Le Seigneur m’a dit: Tu es mon Fils, je t’ai engendré aujourd’hui. Demande, et je te donnerai les nations pour héritage, pour domaine les extrémités de la terre… Et maintenant, rois, devenez sages: recevez l’avertissement, juges de la terre. Servez le Seigneur avec crainte, tressaillez de joie avec tremblement. »
Le psaume 109 décrit en même temps la Royauté et le Sacerdoce du Messie: « Le Seigneur a dit à mon Seigneur: “Assieds-toi à ma droite, jusqu’à ce que je fasse de tes ennemis l’escabeau de tes pieds.” Yahvéh étendra de Sion le sceptre de ta puissance: Règne en maître au milieu de tes ennemis!… Il exerce son jugement parmi les nations. »
Le psaume 71: Deus, judicium tuum regi da…, annonce la justice, la paix et la prospérité du règne du Messie: « Il dominera d’une mer à l’autre… Tous les rois se prosterneront devant lui; toutes les nations lui seront soumises. Car il délivrera le pauvre qui crie vers lui et le malheureux dépourvu de tout secours… Que son nom dure à jamais! Tant que brillera le soleil, que son nom se propage! Qu’on cherche en lui la bénédiction! Que toutes les nations le proclament heureux. »
Isaïe (9, 5) annonce de même: « Il sera appelé l’Admirable, Dieu fort, Prince de la paix,… pour l’établir par le droit et la justice, dès maintenant et à toujours. »
Daniel (2, 34 ss.) parle aussi de ce royaume, lorsqu’il annonce qu’une petite pierre brisera la statue colossale aux pieds d’argile, et deviendra une grande montagne qui remplira toute la terre.
Zacharie (9, 9) célèbre les vertus de ce roi humble et pauvre, mais juste et sauveur: « Ecce rex tuus venit tibi justus et salvator, ipse pauper:  Voici que ton roi viendra à toi, juste et sauveur; lui-même pauvre. »
*
*    *
Si l’Ancien Testament affirme déjà si souvent et si nettement la royauté universelle du Sauveur, le Nouveau Testament doit être plus explicite encore.
L’archange Gabriel, qui annonce sa naissance à Marie, lui dit: « Le Seigneur Dieu lui donnera le trône de David, son père; il régnera éternellement sur la maison de Jacob, et son règne n’aura point de fin » (Lc 1, 32). Cujus regni non erit finis, disons-nous dans le Credo.
Cette royauté se manifeste comme universelle par l’adoration des rois mages, qui ne sont pas juifs, mais gentils, et qui lui offrent, comme à un roi envoyé de Dieu, de l’or, de l’encens et de la myrrhe.
Dans sa vie publique Jésus exerce de diverses manières ce pouvoir suprême: il perfectionne la Loi divine transmise aux hommes par Moïse (Mt 5, 7); il est le maître du sabbat, qui est aussi d’institution divine (Mt 9, 15); d’une seule parole il remet les péchés et régénère, vivifie les âmes comme il ressuscite les corps (Lc 5, 17-26); par ses miracles il manifeste son pouvoir sur toute la création corporelle et spirituelle (2). Les anges eux-mêmes sont heureux de lui être soumis et de le servir (Lc 2, 13; Mt 4, 11. 24, 53).
Au terme de sa vie publique, lorsque Jésus entre triomphalement à Jérusalem, la foule crie: « Hosanna au Fils de David… (Mt 21, 9) Béni le roi qui vient au nom du Seigneur. Paix dans le ciel et gloire au plus haut des cieux (Lc 19, 38). » Isaïe (42, 11) avait annoncé: « Dites à la fille de Sion: “Voici que ton roi vient à toi plein de douceur, assis sur une ânesse.” » Cet équipage d’humilité est digne de celui qui vient au monde pour fouler aux pieds les grandeurs humaines, et chose frappante, comme le remarque Bossuet (3), Jésus, qui s’était enfui sur la montagne quand le peuple, après la multiplication des pains, avait voulu le faire roi temporel, accepte maintenant les acclamations de la foule en témoignage public de sa royauté spirituelle. C’est qu’il entre à Jérusalem pour consommer l’œuvre de notre rédemption et conquérir son royaume. — Les pharisiens, irrités de ces acclamations, lui disent: « Maître, réprimandez vos disciples. » Jésus leur répond: « Je vous le dis, si eux se taisent, les pierres crieront (Lc 19, 40). »
Chose plus frappante encore, Jésus, qui a refusé les honneurs extérieurs de la royauté temporelle, confesse qu’il est roi pendant sa douloureuse Passion. Il n’a jamais été plus grand et plus digne que pendant ces heures d’humiliation et d’ignominie. « Lui, note Bossuet, qui n’a jamais dit à ses disciples qu’il est roi; il le dit à Pilate; lui qui n’en a jamais parlé parmi ses miracles, il le publie parmi ses supplices. »
Il veut nous faire entendre que cette royauté spirituelle qu’il a par droit de naissance, il la conquiert aussi sur nos âmes en nous rachetant par sa mort.
Pilate lui dit: « Es-tu le roi des Juifs? » Jésus répond: « Mon royaume n’est pas de ce monde » (Jn 18, 36); c’est-à-dire: Mon royaume ne tire pas sonorigine d’ici -bas et ne s’exerce pas comme celui des rois de la terre. Pilate insiste: « Tu es donc roi? » Jésus répond: « Tu le dis, je suis roi. Je suis né et je suis venu dans le monde pour rendre témoignage à la vérité, et quiconque est de la vérité écoute ma voix »; c’est-à-dire: je suis roi non seulement des Juifs, mais de tous ceux qui doivent entendre le témoignage de vérité que je leur apporte.
Jésus est roi, mais roi pauvre, roi de douleur, et c’est pendant sa Passion qu’il conquiert cette royauté spirituelle sur les âmes. Par dérision les Juifs lui donnent une couronne d’épines pour diadème, et un fragile roseau pour sceptre; mais ils ne comprennent pas de quelle royauté universelle cette couronne d’épine est le symbole, ils ne voient pas que les gouttes de sang répandues sur ces épines sont infiniment plus précieuses que tous les diamants de la terre.
Pilate fait écrire le titre de sa royauté au haut de sa Croix, dans les trois langues les plus connues du monde ancien; en hébreu, en grec et en latin, pour que toute la terre en soit informée. Les Juifs réclament, mais Pilate, tout à l’heure si faible, maintient fermement ce qu’il a écrit.
Jésus est roi, mais roi crucifié, roi rédempteur par ses souffrances: « Sa Croix est son trône, son sang est sa pourpre, sa chair déchirée est sa force (4). »
Qui le comprend au moment où Jésus expire? Marie corédemptrice, qui, pour avoir participé à ses souffrances, participe aussi à sa royauté.
Le royaume de Dieu est fondé. Notre roi, par son crucifiement, nous a rachetés de l’esclavage du démon et du péché; dans trois jours, cette mystérieuse victoire sur le péché sera manifestée d’une façon éclatante par sa victoire sur la mort, suite et châtiment du péché. Jésus ressuscité dira alors à ses apôtres: « Toute puissance m’a été donnée dans le ciel et sur la terre. Allez donc, enseignez toutes les nations… Voici, je suis avec vous jusqu’à la consommation des siècles » (Mt 28, 18).
La Résurrection rend au Christ Jésus sa gloire, et saint Jean dans l’Apocalypse (19, 16) contemple son triomphe dans le ciel, il le voit sur un trône splendide, son nom est écrit sur ses vêtements: Rex regum, Dominus dominantium, Roi des rois, Seigneur des seigneurs, Juge suprême, qui rend à chacun selon ses œuvres (cf. Ap 1, 18; 4, 9; 6, 10; 22, 13; 17, 14)
Saint Paul affirme aux Philippiens (2, 5 ss.) que Jésus a cette royauté universelle par droit d’héritage à raison de « son égalité avec Dieu » et par droit de conquête: « Il s’est fait obéissant jusqu’à la mort, et à la mort de la croix. C’est pourquoi Dieu l’a souverainement élevé et lui a donné le nom qui est au-dessus de tout nom, afin qu’au nom de Jésus tout genou fléchisse dans les cieux, sur la terre et dans les enfers, et que toute langue confesse, à la gloire de Dieu le Père, que Jésus-Christ est Seigneur. » Item Rm 8, 31; He 1,1. – « Oportet illum regnare: Il faut qu’il règne… Et lorsque tout lui aura été soumis, alors le Fils lui-même en fera hommage à Celui qui lui aura soumis toutes choses, afin que Dieu soit tout en tous » (1 Co 15, 25-27).
Parmi les Pères qui ont le plus nettement affirmé cette royauté universelle du Christ, il faut citer saint Justin (5), saint Irénée (6), saint Ephrem (7), saint Cyrille d’Alexandrie (8), saint Ambroise qui écrit: « C’est à bon droit que le titre de Roi est placé sur la croix, parce que sur elle rayonnait la majesté du Roi Jésus, supra crucem tamen Regis majestas radiabat (9). »
La liturgie dans le Te Deum salue le Christ, roi de gloire: Tu rex gloriae, Christe; dans les antiennes de l’Avent elle l’appelle roi des nations: O Rexgentium, et dans la fête du Saint-Sacrement: Christum Regem dominantem gentibus.
II. – Quelle est la nature, le fondement et l’excellence de celle royauté?
On conçoit une double royauté: 1° la royauté temporelle, ordonnée à promouvoir le bien temporel dans la société; 2° la royauté spirituelle, qui a pour but de diriger tous les hommes vers la béatitude surnaturelle de la vie future.
Jésus-Christ eut-il la royauté temporelle sur le monde entier? En tant que Dieu et Créateur, il est certainement Maître absolu de l’univers, aussi bien dans l’ordre temporel que dans l’ordre spirituel (Cf. Col 1, 16). – Mais en tant qu’homme eut-il le pouvoir royal temporel? La majorité des théologiens répond: Il l’eut en droit, mais en fait il ne voulut pas l’exercer.
Tel est l’enseignement de saint Thomas: « Le Christ, dit-il, quoique constitué roi par Dieu lui-même, n’a pas voulu avoir sur la terre l’administration temporelle d’un royaume terrestre (10). » Saint Antonin parle de même, et cette doctrine, bien défendue par les Carmes de Salamanque (11), devient de plus en plus commune aujourd’hui.
Si quelques théologiens (12) ont nié ou douté que Jésus comme homme eut le pouvoir royal temporel, c’est qu’ils n’ont pas considéré la question à son vrai point de vue, mais d’une façon trop étroite. A la suite des Carmes de Salamanque, le P. Hugon (13) remarque très justement: « C’est trop peu de dire que comme homme Jésus est roi seulement spirituel, car c’est restreindre une royauté que l’Ecriture et la Tradition lui attribuent sans aucune réserve. Envisageons la question d’une manière plus haute et plus universelle et disons: Le Christ tout entier, ce Rédempteur, ce Sauveur béni, qui subsiste dans ses deux natures, la nature divine et la nature humaine, est roi absolument, pour l’ordre temporel comme pour l’ordre spirituel, sans restriction aucune… Celui qui dit: Toute puissance m’a été donnée au ciel et sur la terre (Mt 28, 18), c’est le Christ dans sa double nature, le Christ visible, qui converse avec les Apôtres. Or rien n’est exclu de son empire qui est absolu sur la terre comme au ciel… C’est dans le même sens que parle saint Paul: Omnia subjecta suntei, sine dubio praeter eum qui subjecit ei omnia (1 Co 15, 27). Tout, dans l’ordre temporel, comme dans l’ordre spirituel, tout, sauf le Père, lui est soumis. Il s’agit du Christ, non pas seulement dans sa nature divine, selon laquelle il n’a pas besoin que le Père lui soumette les créatures, mais encore dans sa nature humaine, à raison de laquelle il peut recevoir l’empire de l’univers. » C’est une conséquence de l’union hypostatique, comme Jésus « a été constitué par Dieu juge des vivants et des morts » (Jn 5, 22 et 27), juge des rois comme de leurs sujets, ainsi il a reçu le souverain domaine sur tous. Comme le dit saint Pierre: hic est Dominus omnium (Ac 15, 36-42).
Et c’est pourquoi la liturgie l’appelle aussi Roi des nations: « O rex gentium,… veni et salva hominem quem de limo formasti : O Roi des nations,… venez et sauvez l’homme que vous avez formé du limon de la terre » (Ant. O de l’Avent).
Mais en fait Jésus ne voulut pas ici-bas exercer ce pouvoir temporel. Il choisit librement une vie humble et pauvre; il paya le tribut comme quiconque, sans y être obligé (Mt 17, 26). Bien plus, après la multiplication des pains, lorsque le peuple, ébloui par ce miracle et tout préoccupé de prospérités temporelles, voulut le faire roi, Jésus, voyant que ce peuple rêvait d’une magnificence toute terrestre, se retira et s’enfuit sur la montagne (Jn 6, 15).
Les Apôtres eux-mêmes, illusionnés, croient qu’il va fonder un royaume temporel; la mère des fils de Zébédée demande pour eux les deux premières places dans ce royaume. Notre-Seigneur répond: « Vous ne savez pas ce que vous demandez… Pouvez-vous boire le calice que je dois boire? » – Jusqu’à l’Ascension les Apôtres gardent quelque illusion à ce sujet et, au moment où Jésus va être élevé aux cieux, ils lui demandent: « Seigneur, le temps est-il venu où vous rétablirez le royaume d’Israël? » (Ac 1, 6). Ils n’avaient pas encore bien compris la réponse de Jésus aux Pharisiens: « Le royaume de Dieu ne vient pas de manière à frapper les regards. On ne dira point: Il est ici, ou il est là; car voyez, le royaume de Dieu est au milieu de vous » (Lc 17, 20).
Jésus par ces mots nous montre que sa royauté est avant tout d’ordre spirituel. Elle s’exerce par l’ascendant, par l’attrait, par l’amour, par l’autorité intellectuelle, morale, surnaturelle, sur les intelligences, sur les volontés, sur les cœurs. Par elle, il a fondé une société spirituelle, l’Eglise, dont il est le chef. Cette royauté spirituelle lui appartient, nous l’avons dit, à un double titre: 1° par droit de naissance, car il est le Verbe fait chair, le Fils de Dieu, et il hérite ainsi de son Père le droit de commander à tous les hommes; 2° par droit de conquête: car nous avions été infidèles, traîtres à notre roi; il nous a reconquis, en arrachant nos âmes à l’esclavage du péché et du démon; « il nous a rachetés à grand prix » (1 Co 6, 20). Et par les vœux de notre baptême, librement renouvelés, nous avons reconnu cette autorité souveraine du Christ sur nous.
*
*    *
L’excellence de la royauté spirituelle et temporelle du Christ est celle de l’Autorité suprême, qui conduit toutes les âmes de bonne volonté vers l’éternelle béatitude. C’est l’autorité du Fils de Dieu qui a pouvoir non seulement sur tous les corps, mais sur toutes les âmes, non seulement sur les peuples, mais sur tous les rois ou autres chefs d’État, et lui-même n’est soumis à personne qu’à son Père. C’est l’autorité de la plus haute intelligence, du cœur le plus aimant, de la volonté la plus droite, la plus bienveillante et la plus forte. Elle implique le pouvoir du législateur et du juge suprême. En venant parfaire l’ancienne Loi, Jésus, dans le Sermon sur la montagne, se déclare, par sa manière de parler, l’égal du législateur divin du Sinaï, dont Moïse était le prophète. Il dit à plusieurs reprises: « Il a été dit aux anciens: … Et moi je vous dis: … » En perfectionnant l’ancienne loi de crainte, il fait de la loi nouvelle une loi de grâce et d’amour: « Je vous donne un commandement nouveau de vous aimer les uns les autres, comme je vous ai aimés… Aimez vos ennemis, priez pour ceux qui vous persécutent et vous calomnient » (Jn 13, 34 ; Mt 5, 44).
Son pouvoir est aussi celui du Juge suprême, qui dit à ses Apôtres: « Tout ce que vous lierez sur la terre sera lié dans le ciel; tout ce que vous délierez sur la terre sera délié dans le ciel » (Mt 16, 19; 18, 18). – Il annonce qu’il viendra un jour juger les vivants et les morts (cf. Jn 5, 22, 27).
Cette autorité suprême est par suite universelle; elle s’étend à tous les lieux, à tous les temps, à toutes les créatures, car Jésus commande même aux anges, qui sont les ministres de son royaume. En droit dès maintenant « tout lui est soumis »; en fait, à son second avènement tout lui sera soumis sur la terre comme au ciel. A son égard la neutralité n’est pas possible: « Qui n’est pas avec moi est contre moi. » On ne peut rester neutre à l’égard de la fin dernière de toute la vie; ne pas la vouloir, c’est se détourner d’elle.
C’est vers cette fin ultime que la royauté universelle de Jésus ordonne toutes choses; « il est la voie, la vérité et la vie ». Il conduit les âmes vers l’éternelle béatitude, où elles doivent jouir de Dieu vu face à face et aimé par-dessus tout, avec l’absolue certitude de ne jamais le perdre par le péché. Là surtout apparaît l’infinie bonté de notre roi, mais bonté qui n’est point faiblesse. Les rois de la terre cherchent à obtenir pour leur peuple les biens temporels par des moyens imparfaits, souvent impuissants. Le Christ, lui, nous conduit efficacement vers la fin dernière surnaturelle, vers la béatitude qui ne finit pas; il nous donne sa lumière, sa force, sa vie, son amour, pour nous y faire parvenir; il se donne lui-même en nourriture pour refaire nos énergies et nous communiquer sa vie. Ceux-là seuls manquent le but, qui refusent obstinément de se laisser conduire, de se laisser sauver, qui méprisent l’Amour divin, qui voudrait les attirer à lui.
Mais même les ennemis de Jésus servent indirectement sa gloire; les obstacles qu’on dresse contre lui, il les transforme en moyens; il fait servir les persécuteurs à la gloire des martyrs, et du plus grand obstacle, la croix, il a fait le plus grand moyen de salut.
Un jour viendra où tous les ennemis obstinés du Christ seront définitivement vaincus. S’il ne règne pas sur eux par miséricorde, il régnera sur eux par justice; comme il est dit dans le psaume messianique: « il les brisera avec un sceptre de fer (qui remplacera celui de roseau), et il les mettra en pièces comme le vase du potier » (Ps 2, 8). Dès maintenant l’enfer tremble en entendant prononcer son nom.
Mais à l’égard des hommes de bonne volonté, en qui sa grâce aura suscité cette bonne volonté, il sera la douceur et la paix, Princeps pacis. Comme il est dit dans l’Apocalypse (21, 4): « Il essuiera toutes les larmes de leurs yeux et la mort ne sera plus; il n’y aura plus ni deuil, ni cri, ni douleur », car il aura vaincu la mort après avoir triomphé du péché, qui, dans le plan actuel de la Providence, a été la cause de la douleur et de la mort.
Le règne de notre Roi, c’est notre bonheur et notre salut, dans la paix parfaite; dans la tranquillité de l’ordre qui vient de lui et qui de lui doit rayonner sur nous tous.
Telle est la royauté universelle de Jésus et son incomparable excellence.
III. – Comment Jésus exerce-t-il ce pouvoir royal universel?
Il l’exerce toujours avec une sagesse très haute qui descend pourtant aux moindres détails, avec une bonté faite de force et de douceur, mais de façon différente dans la société civile, dans le gouvernement de l’Eglise, dans la direction intime des âmes.
Dans la société civile Jésus exerce discrètement sa royauté universelle. Il a droit d’exiger que cette société, loin d’être régie par les principes athées du laïcisme, qui détruisent la famille et la patrie, soit gouvernée selon les principes de la loi chrétienne; que les chefs d’Etat, loin de nier l’autorité divine, fondement de la leur, la reconnaissent publiquement, en se soumettant à elle. Le Christ Jésus, incarnation de la Vérité, de la Bonté, de la Justice, a droit à être enseigné à l’école, à être représenté au tribunal au moment où l’on va prêter serment, à être parlé au malade à l’hôpital. Il a droit à un culte public dans nos villes; et les chefs d’Etat seront jugés pour avoir violé ce droit imprescriptible du Christ roi, ou pour avoir voulu rester neutres (14).
Ici-bas Notre-Seigneur vient en aide aux peuples qui réclament son secours. Il donne à leurs chefs les inspirations qui les portent à se conformer à l’esprit évangélique, à y conformer leurs institutions, à respecter par exemple la loi divine de l’unité et de l’indissolubilité du mariage, à gouverner pour la sécurité de tous, pour obtenir la paix temporelle subordonnée à celle de l’âme et à la vie de l’éternité. Sous saint Louis en France nous avons vu ce que peut être et doit être le règne de Jésus-Christ dans un pays et dans la chrétienté tout entière.
Dans l’Église, le Christ Jésus exerce sa royauté spirituelle en la gouvernant par son Vicaire, par toute la hiérarchie ecclésiastique: les évêques, les pasteurs, les supérieurs des Ordres religieux. L’hérésie et le schisme ont souvent voulu diviser ce royaume du Christ, mais l’Église restera une et indéfectible jusqu’à la fin des temps. Les efforts de l’enfer ne prévaudront pas. Le Christ est dans son Église, comme il était dans la barque avec Pierre et avec les Apôtres pendant la tempête; il lui suffit de dire un mot pour apaiser la tourmente.
De ce royaume il n’est pas seulement le Maître absolu, mais la tête vivante, qui dirige tout, qui vivifie par les sacrements, qui régénère l’enfant par le baptême, le confirme ensuite, qui sanctifie le mariage, nous rend la grâce par l’absolution, l’augmente par la communion; qui nous soutient à l’agonie, et nous conduit à la vie de l’éternité. C’est lui qui inspire ses ministres, éclaire les docteurs, fortifie les missionnaires, protège les vierges, assiste les familles chrétiennes, y fait germer des vocations. Et s’il permet dans son Église l’imperfection humaine, c’est en vue du plus grand bien, jusqu’à l’heure où le mal sera définitivement vaincu.
C’est enfin dans la direction intime des âmes que Jésus exerce sa royauté spirituelle de la façon la plus profonde et la plus cachée, que Lui seul et son Père pourraient révéler. Ici ce sont des merveilles que manifeste de temps en temps la vie des saints et qui seront connues au dernier jour. Jésus éclaire intérieurement les âmes par les illuminations de la foi, des dons de sagesse, d’intelligence, de science, de conseil. Il nous attire et nous console, en nous inspirant une piété toute filiale envers son Père, envers lui-même et sa sainte Mère. Il nous meut et nous fortifie dans nos bonnes résolutions.
Jésus, comme Dieu, nous a envoyé le Saint-Esprit; comme homme, il a reçu la plénitude de ses dons et veut nous y faire participer. Si nous nous abandonnons pleinement à lui, il nous comblera de ses grâces, nous serons de plus en plus vivifiés par lui, et nous comprendrons expérimentalement que le servir c’est régner, régner avec lui sur nos passions désordonnées, sur l’esprit du monde et celui du démon; nous comprendrons de mieux en mieux le chant du Te Deum: « Tu Rex gloriae, Christe: Vous êtes le Roi de gloire, ô Christ », et la parole du Credo qui ravissait sainte Thérèse en extase: Cujus regninon erit finis (15).
Il convient donc que la souveraineté royale du Christ soit l’objet d’un culte spécial, à l’heure surtout où le laïcisme athée s’efforce de plus en plus de la détruire. L’apostasie officielle de plusieurs nations est un crime qui demande une réparation par un culte non seulement intérieur mais extérieur, non seulement privé mais public, et cette réparation ne peut mieux s’exprimer que par la reconnaissance solennelle, sincère, profonde et effective de la royauté du Christ sur les intelligences, les volontés, les cœurs, sur les nations elles-mêmes et sur leurs chefs. « Oportet illum regnare. Il faut qu’il règne… Et lorsque tout lui aura été soumis, alors il en fera hommage à Celui qui lui aura soumis toutes choses, afin que Dieu soit tout en tous » (1 Co 15, 25, 27).
Rome, Angelico.
_____________________
NOTES
(1) Cf. Nouvelles Religieuses, avril 1924, et la revue Regnabit, 1924, p. 197, 198.
(2) Cf. S. Thomas, IIIa, q. 44.
(3) Sermon sur la Royauté de Jésus-Christ.
(4) Bossuet, loc. cit.
(5) Dial. cum Tryphone PG 6, 600, 620.
(6) Contra Haeres., 4, 12 : PG 7, 1005.
(7) Ephr. éd. Lamy, t. I, p. 138.
(8) In Joann., 12: PG 74, 622.
(9) Exposit. in Lucam, 10 : PL 25, 1925.
(10) « Christus autem, quamvis esset rex constitutus a Deo, non tamen in terris vivens terrenum regnum temporaliter administrare voluit » (IIIa, q. 59, a. 4, ad 1). – Item, q. 58, a. 2.
(11) SALMANTICENSESde Incarnatione, disp. 32, dub. 11 (ou 2 ?).
(12) BELLARMINde Rom. Pont., cap. 4 et 5; TOLET, SYLVIUSin IIIam, q. 59; Billuart, de Justitia, diss. 3, art. 6.
(13) Revue Thomiste, juillet 1925, p. 304: La Fête spéciale de Jésus-Christ roi.
(14) Cf., parmi les encycliques de Léon XIII, les encycliques Immortale Dei et Libertas. – Voir aussi dans le livre de la Sagesse, 6, les grands devoirs des rois et des chefs d’État: « Écoutez, ô rois, et comprenez; écoutez, vous qui jugez les extrémités de la terre… vous qui êtes fiers de commander à des foules de peuples. Sachez que la force vous a été donnée par le Seigneur et la puissance par le Très-Haut, qui examinera vos œuvres et sondera vos pensées. Parce que, étant les ministres de sa royauté, vous n’avez pas gouverné équitablement…, terrible et soudain il fondra sur vous; car un jugement sévère s’exerce sur ceux qui commandent. Aux petits on pardonne par pitié; mais les puissants sont puissamment châtiés. Le Souverain de tous ne reculera devant personne. Il ne s’arrêtera avec respect devant aucune grandeur; car il est le créateur des uns comme des autres, et il prend soin des uns comme des autres; mais les puissants seront soumis à un jugement plus rigoureux. »
(15) Voir sur ce sujet le beau livre de Mgr SINIBALDI, Secrétaire de la Congrégation des Séminaires et des Universités, Il Regno del SS. Cuore, Milan, 1924, où l’auteur, à la lumière des principes de saint Thomas, considère les grandes thèses des traités de l’Incarnation et de l’Église du point de vue de la Royauté du Christ, qui est surtout la royauté de l’amour surnaturel, puisque Jésus règne spécialement par la charité.